São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 2006

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RECEITA SECRETA

Alvo de críticas, cúpula do banco barra divulgação de estudos

BC adota autocensura e dificulta comunicação

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O mal-estar dentro do governo com o Banco Central não se restringe ao conservadorismo na fixação da taxa de juros. A comunicação da instituição com o mercado financeiro é considerada ruim e tem sido apontada dentro da equipe econômica como uma das causas do descompasso entre a melhora nos indicadores da economia e os riscos embutidos nos juros projetados para o futuro, considerados demasiadamente elevados. Isso, por sua vez, tem reflexo no custo das negociações dos títulos federais.
Essa insatisfação com o BC ficou clara nas críticas recentes do secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, à instituição e que renderam o puxão de orelha público do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho.
Apesar disso, nos bastidores do governo muitos técnicos da Fazenda e do próprio BC fazem coro ao secretário. Uma das formas de medir a falta de espaço para debate com o BC, que é constantemente apontada nas críticas feitas à cúpula da instituição, é analisar a publicação de trabalhos acadêmicos de funcionários do banco.
Eles são considerados instrumentos importantes para aprofundar o debate de temas relevantes para a área econômica e também estimular o surgimento de novas idéias que podem ser adotadas pelo governo. A quantidade desses trabalhos divulgados em 2005 foi reduzida a, pelo menos, um terço do que era em 2001.
A utilização desse canal como forma de balizar o mercado e ajudar a dissipar dúvidas em relação ao comportamento do BC foi instituída no segundo semestre de 2000, um ano após o BC adotar o regime de metas de inflação, sistema que exige maior transparência nas atitudes do governo no campo econômico. Até o encerramento daquele ano foram divulgados nove trabalhos, segundo levantamento feito a partir de relação do próprio BC.
Em 2001, o número de estudos publicados pulou para 26, mantendo o mesmo ritmo no ano seguinte. Em 2003, primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, esse número começa a cair e vai para 19, depois para 11 em 2004 e chega a apenas 9 no ano passado.
A queda é acentuada a partir de julho de 2003, coincidentemente o período em que Afonso Beviláqua, apontado nos bastidores do governo como o "engavetador" dos estudos produzidos na instituição, assume o comando da diretoria de Política Econômica.
No primeiro semestre de 2003, a relação de trabalhos para discussão soma 15 documentos. Nos seis meses seguintes, cai para apenas quatro.
"Esses "papers" mostram o que o BC está pensando e também ajudam a esclarecer pontos que somente a ata e os relatórios de inflação, de "spread" e juros e de estabilidade financeira não conseguem", defende Sérgio Werlang, ex-diretor de Política Econômica do BC. Werlang foi o responsável pela instituição desse canal de comunicação, intensificado pelo seu sucessor, Ilan Goldfajn.
"É uma forma de abrir espaço para críticas e debates que levam a aperfeiçoamentos", argumenta. De acordo com ele, apesar de boa parte dos estudos ser produzida por técnicos dos bancos e não representar uma opinião formal da maioria da instituição, o canal é importante para que despontem novas idéias.
"É uma maneira barata de o BC ter consultores que estão avaliando modelos e ajudando a testá-los e a pensar políticas econômicas", diz Werlang.
"O BC tem um corpo técnico altamente qualificado para gerar um bom debate", destaca Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária. Ele diz que esses trabalhos reforçam a capacidade de o BC coordenar as expectativas do mercado financeiro e que permitem trocar idéias com outros bancos centrais e acadêmicos de outros países.

Tensão
Nos últimos meses, a tensão dentro do governo por causa de "excesso de controle" desses estudos aumentou, o que elevou o medo dos técnicos de tratarem do tema. Segundo relato de funcionários que não querem se identificar, a cúpula do Banco Central não só engaveta os estudos como também censura temas que considera delicados. Um deles, motivo de divergência internamente, é justamente a taxa de juros.
Trabalhos mostrando o impacto dos juros em segmentos da economia ou mesmo tratando da formação do custo do dinheiro no país foram vetados. A brincadeira nos corredores da sede do BC em Brasília é que está mais fácil publicar trabalhos acadêmicos fora do BC do que na instituição em que trabalham.
A insatisfação com relação à divulgação desses textos, que são importantes para o currículo dos pesquisadores, gerou um debate interno sobre a transferência da responsabilidade pela divulgação dos trabalhos acadêmicos da diretoria de Política Econômica para a universidade corporativa, a Unibacen. Na verdade, um departamento que cuida especialmente de cursos para formação dos servidores do BC e está na alçada da Diretoria de Administração. O assunto, no entanto, não evoluiu.


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