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BENJAMIN STEINBRUCH
Profetas da verdade
Nos EUA, o Fed já entrou em ação: cortou os juros em
0,75 ponto; aqui, nosso BC
fez o que todos viram: nada
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EMBORA O passado nem sempre seja um bom referencial
para o futuro, vale a pena
olhar o que ocorreu no Brasil, em
períodos recentes, quando a economia dos EUA entrou em recessão.
Nos últimos 30 anos, os EUA enfrentaram dois períodos claramente
recessivos. Um no início dos anos
1980 e outro no dos 1990. As estatísticas frias do FMI mostram que, nos
dois momentos, o Brasil acompanhou os EUA em seu circuito recessivo. No primeiro período, os EUA
sofreram recessões em 1980 (-0,2%)
e em 1982 (-1,9%), mas já se recuperaram em 1983 (4,5%). Enquanto isso, o PIB brasileiro, que havia tido
crescimento fantástico de 9,2% em
1980, perdeu quase 7% de seu valor
nos três anos seguintes. No segundo
período, os EUA tiveram recessão
suave em 1991 (-0,2%) e logo voltaram a crescer (3,3% em 1992). Já o
Brasil amargou -4,3% em 1990 e
-0,5% em 1992.
Deixando de lado a frieza dos números, é importante observar que,
nos dois casos, a economia americana foi muito prejudicada pela elevação dos preços do petróleo. Nos anos 1980, por conta da Revolução Iraniana. Nos 1990, em razão da invasão do Kuait pelo Iraque, que levou à Guerra do Golfo.
Não se pode dizer que as recessões
brasileiras tenham sido provocadas
apenas pela queda da economia
americana. O aumento do petróleo,
em ambos os momentos, teve forte
efeito direto sobre o Brasil, principalmente em 1980, porque o país era
muito dependente da importação
desse produto.
O que há de diferente na crise
atual americana -apesar de o petróleo estar novamente caro, mas com
impacto muito menor em razão da
redução da dependência em relação
a essa fonte de energia- é sua origem puramente interna. Essa constatação está na base do raciocínio da
tese do "decoupling" (descolamento), segundo a qual a crise americana
atual ficaria mais restrita ao mercado dos EUA, com poucos efeitos nos
emergentes.
Os teóricos do "decoupling" foram
bastante criticados na semana passada, quando as Bolsas do mundo
derreteram. Só profetas de verdade
podem saber qual será o exato efeito
da crise americana nos emergentes.
Mas essa olhada para os últimos 30
anos mostra que o Brasil, pelo menos, andou "descolado" e viveu períodos de recessão e desaceleração
mais por seus próprios pecados do
que por influência americana. Não
aproveitou a onda quando os EUA
viveram anos de ouro na segunda
metade dos anos 1980 nem no período 1992-1999. E afundou mais
que os EUA nos momentos ruins da
economia americana, nas duas recessões citadas e no período de desaceleração pós-bolha da internet
(2001 e 2002).
É evidente que o Brasil não está
imune a crises externas. Mas também é evidente que entra nessa com
mais cacife: inflação baixa, dívida
em dólares inexpressiva e reservas
de US$ 185 bilhões, que dão tranqüilidade às contas externas.
E há algo preventivo a fazer? Sim,
o óbvio: medidas que dêem mais robustez ao já importante mercado interno, como a manutenção do investimento público e a desoneração tributária. O pacote do presidente
Bush, por exemplo, mesmo criticado pela timidez, deverá atuar nesse
sentido. Lá, está aprovado o plano de
devolver impostos num total de US$
100 bilhões para pessoas físicas e
US$ 50 bilhões para jurídicas, recursos que podem ativar o consumo e
encorajar investimentos de empresas. Outra medida óbvia é a redução
da taxa de juros, também anabolizante do consumo. Lá, o Fed já entrou em ação: cortou a taxa em 0,75
ponto. Aqui, nosso BC fez o que todos viram: nada.
BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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