São Paulo, terça-feira, 29 de janeiro de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Profetas da verdade


Nos EUA, o Fed já entrou em ação: cortou os juros em 0,75 ponto; aqui, nosso BC fez o que todos viram: nada

EMBORA O passado nem sempre seja um bom referencial para o futuro, vale a pena olhar o que ocorreu no Brasil, em períodos recentes, quando a economia dos EUA entrou em recessão.
Nos últimos 30 anos, os EUA enfrentaram dois períodos claramente recessivos. Um no início dos anos 1980 e outro no dos 1990. As estatísticas frias do FMI mostram que, nos dois momentos, o Brasil acompanhou os EUA em seu circuito recessivo. No primeiro período, os EUA sofreram recessões em 1980 (-0,2%) e em 1982 (-1,9%), mas já se recuperaram em 1983 (4,5%). Enquanto isso, o PIB brasileiro, que havia tido crescimento fantástico de 9,2% em 1980, perdeu quase 7% de seu valor nos três anos seguintes. No segundo período, os EUA tiveram recessão suave em 1991 (-0,2%) e logo voltaram a crescer (3,3% em 1992). Já o Brasil amargou -4,3% em 1990 e -0,5% em 1992.
Deixando de lado a frieza dos números, é importante observar que, nos dois casos, a economia americana foi muito prejudicada pela elevação dos preços do petróleo. Nos anos 1980, por conta da Revolução Iraniana. Nos 1990, em razão da invasão do Kuait pelo Iraque, que levou à Guerra do Golfo.
Não se pode dizer que as recessões brasileiras tenham sido provocadas apenas pela queda da economia americana. O aumento do petróleo, em ambos os momentos, teve forte efeito direto sobre o Brasil, principalmente em 1980, porque o país era muito dependente da importação desse produto.
O que há de diferente na crise atual americana -apesar de o petróleo estar novamente caro, mas com impacto muito menor em razão da redução da dependência em relação a essa fonte de energia- é sua origem puramente interna. Essa constatação está na base do raciocínio da tese do "decoupling" (descolamento), segundo a qual a crise americana atual ficaria mais restrita ao mercado dos EUA, com poucos efeitos nos emergentes.
Os teóricos do "decoupling" foram bastante criticados na semana passada, quando as Bolsas do mundo derreteram. Só profetas de verdade podem saber qual será o exato efeito da crise americana nos emergentes.
Mas essa olhada para os últimos 30 anos mostra que o Brasil, pelo menos, andou "descolado" e viveu períodos de recessão e desaceleração mais por seus próprios pecados do que por influência americana. Não aproveitou a onda quando os EUA viveram anos de ouro na segunda metade dos anos 1980 nem no período 1992-1999. E afundou mais que os EUA nos momentos ruins da economia americana, nas duas recessões citadas e no período de desaceleração pós-bolha da internet (2001 e 2002).
É evidente que o Brasil não está imune a crises externas. Mas também é evidente que entra nessa com mais cacife: inflação baixa, dívida em dólares inexpressiva e reservas de US$ 185 bilhões, que dão tranqüilidade às contas externas.
E há algo preventivo a fazer? Sim, o óbvio: medidas que dêem mais robustez ao já importante mercado interno, como a manutenção do investimento público e a desoneração tributária. O pacote do presidente Bush, por exemplo, mesmo criticado pela timidez, deverá atuar nesse sentido. Lá, está aprovado o plano de devolver impostos num total de US$ 100 bilhões para pessoas físicas e US$ 50 bilhões para jurídicas, recursos que podem ativar o consumo e encorajar investimentos de empresas. Outra medida óbvia é a redução da taxa de juros, também anabolizante do consumo. Lá, o Fed já entrou em ação: cortou a taxa em 0,75 ponto. Aqui, nosso BC fez o que todos viram: nada.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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