São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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ARTIGO

É hora de um "Palocci do Desenvolvimento"

FRANCISCO PESSOA FARIA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O resultado do PIB (Produto Interno Bruto) no quarto trimestre do ano passado veio abaixo do que esperava a média dos analistas, mas a decepção deveu-se em parte a questões metodológicas, e não a uma surpresa negativa em relação à evolução da atividade. Questões metodológicas também tornam injusta a afirmação de que a queda do PIB observada em 2003 é a primeira desde 1992.
Há alguns meses o IBGE modificou o cálculo da variação de importantes subsetores de atividade, e essas mudanças tiveram um impacto negativo no cálculo do valor da produção nacional no ano passado. Assim, é importante não se ater às taxas em si, mas procurar, pelo resultado do PIB, avaliar os movimentos gerais da produção e a partir daí tentar vislumbrar o que teremos pela frente.
Isso posto, pode-se afirmar que, obviamente, o ano passado foi muito ruim para a atividade econômica. Independentemente da taxa de variação (que pode até ser alterada para um pequeno valor positivo quando os dados definitivos forem divulgados) ou de uma definição técnica (tivemos ou não uma recessão?), o que se observou durante 2003 foi uma forte contração do consumo e do investimento, causada pela adoção de rígidas políticas fiscal e monetária. Por outro lado, também se pode dizer que o pior já passou.
O fundo do poço foi o período entre março e setembro, observando-se a partir de então uma recuperação capitaneada pelos bens de consumo duráveis e bens de capital, graças a melhores condições de crédito, redução do IPI sobre automóveis, aumento da confiança e bom desempenho da economia mundial.
E a partir de agora? Como será 2004? Em primeiro lugar, será mais positivo do que 2003. A recuperação das vendas de bens de consumo durável citada acima, aliada ao bom desempenho das exportações, começou a ter impactos positivos sobre o nível de produção, contribuindo para fornecer um dos componentes mais essenciais de qualquer retomada da atividade econômica: a confiança de consumidores e empresários. Trata-se, na verdade, de um círculo virtuoso, pois, à medida que as vendas crescem, o mercado de trabalho começa a se fortalecer, o nível de confiança sobe, os consumidores compram mais, estimulando os empresários a investir, gerando renda e consumo adicionais.

Amarras
Na atual conjuntura da economia brasileira, a confiança acaba reforçada pela queda da inflação, que vem proporcionando a recuperação, ainda que lenta, do rendimento real. Simultaneamente, o ambiente externo também deverá ser melhor neste ano do que no ano passado: a economia mundial crescerá mais, o que significa que as exportações também deverão dar a sua contribuição para a economia nacional.
Ou seja, salvo algum grande imprevisto, teremos uma expansão do PIB em 2004. E de quanto será essa expansão?
Bem, até o começo da semana passada os analistas esperavam uma taxa de 3,7%, mas as projeções estão sendo revistas para baixo, devido à divulgação da ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), que sinalizou uma diminuição no ritmo de queda da taxa de juros. Assim, provavelmente as projeções do PIB serão rebaixadas para um patamar mais próximo de 3,5%.
É um bom resultado considerando a média do período 2001-2003 (1%), mas, considerando o quanto precisamos crescer para gerar os postos de trabalho necessários para reduzir o desemprego, é um número que deixa a desejar.
Isso, por sua vez, deveria nos levar a pensar em como estabelecer as bases de um crescimento que possibilitasse o tão aguardado resgate social. O resultado do PIB no ao passado e o recente balde de água fria do Banco Central servem para lembrar mais uma vez que um país que tem, como nós, sérios problemas nos fundamentos macroeconômicos e com um regime de metas de inflação sempre corre o risco de ter que segurar o crescimento abruptamente.
Teremos que viver com isso. Mas talvez seja a hora de termos um "Palocci do Desenvolvimento". Alguém que pertença ao chamado "núcleo duro do poder", com raio de ação comparável ao titular da Fazenda e que, sem resvalar no populismo ou na irresponsabilidade fiscal, consiga ao menos articular e colocar em prática as medidas de incentivo ao emprego e ao desenvolvimento.


Francisco Pessoa Faria é economista sênior da LCA Consultores.


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