São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Prejuízo bilionário, câmbio, desligo


Quanto custou a trombada de empresas com derivativos de câmbio? Não se sabe, mas a funilaria pública está aberta


OS PREJUÍZOS estrambóticos da Aracruz e da Sadia reavivaram a história dos derivativos cambiais. O caso havia caído sob a sombra de balanços opacos, quietas renegociações de dívidas em escritórios de advocacia e até em raras, porém discretas, ações judiciais.
Nessa história, empresas negociaram com bancos, aqui e lá fora, contratos que em tese as protegeriam de variações do dólar. Tais contratos propiciariam às empresas ganhos interessantes, mas especulativos e limitados, caso o dólar ficasse barato, dentro de certa faixa de preço; no caso de desvalorização do real, as perdas seriam ilimitadas.
Desde logo o caso teria interesse social, pois havia o risco de destruição de grandes empresas, empregadoras de muita gente, exportadoras e, no que diz respeito à parte operacional, eficientes. Mas houve outros danos colaterais expressivos.
De modo ainda não quantificado pelos nossos tantos especialistas em finanças, esses ditos "derivativos tóxicos" provocaram algum efeito na frenética alta do dólar no final do ano passado e um choque que intensificou a retração do crédito no país. Para variar, avarias privadas foram parar na funilaria do governo, que, de modo indireto e inconfesso, conserta parte da trombada cambial.
O caso mais emblemático dessa história foi o "maior apoio" que o BNDES deu à compra da Aracruz pela Votorantim, parte de um grupo também muito prejudicado pelos derivativos estrambóticos. Mas as negociações de socorro e a ajuda já aprovada a frigoríficos, por exemplo, fazem parte dessa história. E há mais trombadas na agroindústria.
O fato de tais operações serem um tanto invisíveis facilitou a loucura. Nos balanços, elas apareciam de forma obscura, em "qualquer nota explicativa", para inglês ver. Não há uma central de acompanhamento de derivativos que registre, no conjunto, o risco, o tipo e o valor preciso de muitas dessas apostas. Os perigos ficaram na sombra, para o mercado e para as autoridades financeiras.
Houve "fatores macroeconômicos"? Real caro e juros domésticos altos decerto foram incentivos ao endividamento externo supostamente protegido por instrumentos financeiros sofisticados; a seca mundial de crédito foi a estaca no coração dos enrolados em dólar.
Mesmo que possível, porém, não seria o caso de incentivar a prudência financeira de empresas regulando variáveis macroeconômicas -seria como o rabo balançar o cão. Mas grandes empresas exportadoras se jogaram, sim, à procura de financiamento direto e mais longo de suas vendas ao exterior (pré-pagamento e securitização de recebíveis de exportações). Pretendiam fazer, e por um tempo fizeram, um extra com o câmbio e com o diferencial de juros favoráveis, enrolando-se de resto com as tais operações estrambóticas para se "proteger" (especular) em caso de variações cambiais. Assim, aliás, ajudavam a valorizar o real no curto prazo. Até que a roda-gigante do crédito externo parou.
Os danos às empresas envolvidas agora parecem apenas resultado genérico da "crise mundial". Apagou-se o começo desse rolo, que enredou muita gente que nada tinha a ver com o pato. O final de muitas dessas histórias, porém, não tem suspense. Acaba na funilaria do governo.

vinit@uol.com.br


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