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Caso Daslu destoa de punição a sonegador
Para advogados criminalistas, sentença de 94 anos e meio contra donos de butique é isolada e não será tendência da Justiça
Para Everardo Maciel,
ex-secretário da Receita,
sentença revela má vontade
e indisposição contra quem
tem boa situação financeira
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
A condenação de quase cem
anos de prisão imposta a Eliana
Tranchesi, dona da Daslu, e a
seu irmão Antônio Carlos Piva
de Albuquerque é um fato isolado ou pode ser o início de uma
tendência da Justiça para punir
quem é acusado de fugir do pagamento de tributos?
Para advogados criminalistas, tributaristas e ex-dirigentes da Receita Federal, a pena
determinada para Tranchesi e
seu irmão -os dois conseguiram liminares da Justiça e já
estão em liberdade- representa decisão isolada de uma juíza
(Maria Isabel do Prado, da 2ª
Vara Federal em Guarulhos) e
não deve ser exemplo para outras sentenças que envolvam
crimes de sonegação fiscal.
A pena estabelecida para
Tranchesi em primeira instância, de 94 anos e meio, deve ser
reduzida até chegar à ultima
instância da Justiça -Suzane
von Richthofen, que matou os
pais em 2002, foi condenada
em 2006 a 39 anos de prisão-,
mas o tamanho da condenação
chama a atenção, dizem eles,
por não se tratar de crime de
homicídio, que geralmente tem
as punições mais severas tanto
no Brasil como em outros países.
Ao explicar a condenação de
Tranchesi, a de seu irmão e a de
outros cinco réus envolvidos
no esquema de sonegação da
Daslu, o procurador Matheus
Baraldi Magnani, autor da denúncia feita à Justiça contra a
butique, considerou que a sentença decorrente da Operação
Narciso, que ocorreu em 2005,
é um marco na história do Judiciário brasileiro.
"O mundo passa por transformações, e a Justiça precisa
acompanhar essas transformações. Na verdade, o abuso do
poder econômico é a arma, a
corrupção é a arma. Não é só o
crime de sangue que pode estar
associado a uma organização
criminosa", diz o procurador.
Ele aponta ainda o caso como
prova de uma visão diferente
no Judiciário.
"Isso prova que, para vários
setores do Judiciário, hoje em
dia, um criminoso não é somente um desgraçado com um
fuzil na mão, no topo de um
morro", afirmou Magnani.
O advogado Ives Gandra da
Silva Martins, professor emérito da Universidade Mackenzie,
diz que é a primeira vez que vê
uma sentença da Justiça nesse
nível para crimes cometidos
com finalidade de sonegação de
impostos.
Para o ex-secretário da Receita Federal e consultor tributário Everardo Maciel, a sentença dada à dona da Daslu é
"completamente desproporcional". "Não conheço o caso
específico, mas sinto que existe
uma espécie de má vontade e
indisposição contra pessoas
que têm boa situação financeira. A condição financeira não
deve ser critério para proteger,
muito menos para perseguir."
Everardo diz que a punição
que envolve crime contra a ordem tributária só pode ser aplicada após concluído o processo
administrativo fiscal -e já existe jurisprudência no Supremo
Tribunal Federal sobre essa
questão. "A privação de liberdade não pode ocorrer quando
existe sentença passível de recurso, como é o caso. O que vejo
é que, nesse caso, houve uma
decisão isolada, que não deve
ser entendida como tendência
da Justiça", afirma Everardo.
Na avaliação do advogado
Roberto Podval, a sentença dada a Tranchesi e a seu irmão
"está fora do contexto e da lógica jurídica" no Brasil. "Para ser
justa, uma decisão da Justiça
tem de ser coerente, proporcional com o caráter da conduta
criminosa. Uma pena de 94
anos para quem é acusado de
sonegar impostos é colocar a
importância do patrimônio acima da vida. A decisão da juíza
no caso da Daslu, no meu entender, tem caráter de protesto, até porque a loja continua
aberta e funcionando normalmente. O que a gente espera da
Justiça é bom senso."
Bloqueio de bens
A sentença dada aos donos da
Daslu, na opinião do advogado
Rui Celso Reali Fragoso, abre
espaço para um debate sobre a
necessidade de rever as penas
de restrição da liberdade que
envolvam crimes contra o sistema financeiro.
Sem especificar o caso da
Daslu, Fragoso diz que, em caso
de sonegação fiscal, seria até
mais apropriada uma sentença
para bloquear bens até a conclusão do processo.
"A punição nesses casos tem
de ser mais dura do lado patrimonial do que do de restrição
da liberdade. Pena de 94 anos é
tão desproporcional que acaba
se transformando até em descrédito para a sociedade."
Walter Cardoso Henrique,
presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-SP,
questiona o fato de o Judiciário
querer mandar um recado ao
condenar uma pessoa a quase
um século de prisão. "Será que
é justo mandar esse recado em
cima de um caso específico? Será que não significa punir demais uma pessoa para servir de
exemplo? É esse o questionamento que deve ser feito", afirma Henrique.
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