São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Investimento desaba nos EUA


Consumidor gasta como nos anos bons, mas ruína dos imóveis puxa gastos com capital para nível preocupante

O QUE FARIA uma autoridade econômica brazuka num país em que a inflação escapulisse da meta, o gasto dos consumidores estivesse acima do PIB, o desemprego beirasse mínimas históricas e a moeda embicasse na desvalorização? Se os investimentos despencassem na direção do zero?
Pior, se houvesse crise feia em um setor financeiro, com algum risco de se tornar "crise sistêmica"?
Essa economia é a dos Estados Unidos, tal como aparece no balanço das contas nacionais deles, divulgado na sexta-feira e nalguns outros poucos indicadores. Pois é.
Retratos ou "instantâneos", como se dizia antigamente de fotografias, podem falsificar caracteres e personalidades. Mas não deixa de ser estranho esse sorriso de Mona Lisa pregado na face de olhos arregalados de "O Grito" do balanço econômico americano, para recorrer a duas telas "pop". Para divagar menos, vide ao lado o gráfico sobre despesas dos consumidores individuais, taxa de investimento produtivo e PIB.
Neste início de 2007, a economia americana cresceu ao ritmo trimestral anualizado de 1,3%, abaixo do previsto pelo mercado (1,9%). O mercado não tugiu, mas mugiu. A Bolsa de Nova York continuou a extrapolar sua alegria, a prestar atenção só em empresas que divulgam bons lucros, desprezando a média medíocre do trimestre. Pode ser que o mercado espere a revisão do PIB, que foi enorme no trimestre final de 2006. Pode ser só euforia mesmo.
A alta do PIB teria sido ainda de 2,9% (contra 3,35% de 2006 e 3,2% de 2005) nos últimos 12 meses (isto é, se os dados são apresentados do modo como o fazemos no Brasil, não à moda americana, do PIB trimestral anualizado). O gasto dos consumidores cresceu 3,2%, ainda forte.
Mas o investimento (em máquinas, equipamentos, instalações, residências) caiu para 1,2%. Nos três últimos anos, 2006, 05 e 04 foi de 4,2%, 5,4% e 9,8%, respectivamente.
O desastre do investimento está mais concentrado na construção de casas: -9,8%. A despesa com equipamentos e software ainda vai bem, a 4,3%, embora a média dos últimos três anos tenha sido de 7,5%.
Resumo da ópera: o consumidor americano está na mesma balada desde 2004. Bancou parte de seus gastos graças a muito emprego e riqueza imobiliária. O americano pode abrir contas lastreadas no valor da sua casa e sacar empréstimos, com cheque ou cartão, como se abrisse linha de crédito. Com a crise imobiliária, tal canal deve se fechar.
Quando o crescimento do PIB caiu para 0,8% (2001) e 1,6% (2002), o investimento regrediu. Os gastos dos consumidores ficaram ainda em torno de 2,5%. É preciso ouvir ainda mais um ato da ópera, mas, se a ruína imobiliária continuar a dizimar outros investimentos, a tendência é bem menos rósea que a do cenário "goldilocks", cachinhos dourados, um PIB "morno", de uns 2,5%.

vinit@uol.com.br


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