São Paulo, quinta, 29 de maio de 1997.



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OPINIÃO ECONÔMICA
A ineficácia da recessão

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Em face do aumento alarmante do desequilíbrio externo, alguns economistas partiram para a ignorância. Passaram a recomendar a recessão como método de ajustamento. A justificativa é mais ou menos a seguinte: como não se pode, supostamente, alterar a política cambial, a saída seria reduzir a demanda por importações por meio de uma contração do nível de atividade.
O governo vem hesitando, com razão, em seguir esse caminho. Os dados disponíveis não indicam a existência de uma conjuntura de aquecimento generalizado. Ao contrário. A julgar pelas estimativas mais recentes do IBGE, a economia como um todo atravessa um período de estagnação desde o último trimestre de 1996.
A série do PIB trimestral, ajustado sazonalmente, indica um crescimento de apenas 0,1% no quarto trimestre do ano passado em comparação com o trimestre imediatamente anterior. No primeiro trimestre deste ano, o resultado foi ainda pior: uma queda de 0,6% relativamente ao último trimestre de 1996.
É possível que o IBGE esteja subestimando o nível de atividade da economia. Mas outras fontes de dados de produção, vendas e emprego também estão indicando, de forma geral, estagnação ou crescimento lento desde fins do ano passado.
Eis aí o aspecto que mais impressiona: uma forte ampliação dos déficits na balança comercial e na conta corrente do balanço de pagamentos em pleno período de desaceleração do nível de atividade da economia! É um quadro bastante diferente daquele que prevaleceu entre julho de 1994 e março de 1995, quando o desequilíbrio das contas externas podia ser atribuído, em parte, à forte expansão da demanda interna. Fica cada vez mais evidente que o que temos no Brasil é um problema de preços relativos, produzido por uma forte e persistente apreciação da taxa de câmbio em termos reais.
Não há dúvida de que uma recessão melhoraria os resultados da balança comercial e da conta corrente do balanço de pagamentos. A queda da demanda interna diminuiria as importações e geraria excedentes exportáveis. Foi o que ocorreu, por exemplo, a partir do segundo trimestre de 1995. A economia entrou em recessão e a balança comercial não demorou a acusar substancial recuperação.
Trata-se, contudo, de um método ineficaz de ajustamento. Os seus efeitos são essencialmente temporários. O governo não pode, evidentemente, manter a economia em recessão permanente. Quando o nível de atividade se recupera, o problema do desequilíbrio externo reaparece.
Uma recessão só produziria efeitos permanentes se se pudesse contar com flexibilidade de preços e salários nominais. Em outras palavras: se a recessão resultasse em redução dos preços e salários nominais, a taxa de câmbio real poderia ser corrigida sem que se modificasse a taxa de câmbio nominal.
Evidentemente, só um torcedor do Bonsucesso pode acreditar na viabilidade de um cenário desses. Como a maior parte dos preços e salários é bastante rígida no sentido descendente, a recessão e o desemprego requeridos para produzir uma deflação adquirem proporções de grande depressão.
Mesmo uma recessão moderada pode ser problemática, especialmente se produzida por elevação da taxa de juro ou restrições adicionais ao crédito. Em primeiro lugar, porque pioraria os já não tão brilhantes resultados fiscais. Em segundo, porque tenderia a causar instabilidade financeira, na medida em que levasse a uma deterioração da carteira de empréstimos dos bancos. Finalmente, a recessão tenderia a aumentar o desemprego e o subemprego e a produzir concentração adicional da renda nacional.
Em suma, é uma ilusão acreditar que se possa ou deva corrigir o desequilíbrio externo com medidas de caráter recessivo. Por esse caminho, o máximo que se pode alcançar é uma recuperação transitória do equilíbrio externo à custa de um agravamento dos desequilíbrios internos.


Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net



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