São Paulo, quinta, 29 de maio de 1997.



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Caos e mentiras, mentiras e caos

ALOYSIO BIONDI
O governo FHC diz que o "rombo" na balança comercial e em outras contas do país com o exterior não preocupa, porque ele vai ser coberto com investimentos estrangeiros, isto é, com a entrada de dólares trazidos por empresas multinacionais.
Na última sexta-feira, no entanto, o presidente da República assinou um decreto ordenando aos bancos oficiais, e mesmo a outros organismos do governo, emprestarem (financiarem) a empresas multinacionais. Isto é, elas não vão trazer dólares para o país coisíssima nenhuma. Vão ter até crédito do governo brasileiro, via bancos oficiais.
Além de escancarar o mercado às importações, destruindo as empresas nacionais e milhões de empregos, agora o governo FHC vai financiar as multinacionais -fornecendo o crédito que é negado aos empresários locais. É uma política de "terra arrasada", ou, como diria o sábio Gustavo Franco, de "delenda Brazil, seus empresários e trabalhadores".
Sem política
Na época de Juscelino, o governo criou o BNDE -Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico-, destinado a financiar a modernização da infra-estrutura do país: construção de hidrelétricas, rodovias, ferrovias exigidas pelos planos de industrialização. Principal fonte de recursos para essa arrancada: dinheiro do Imposto de Renda, da população, portanto. Um "Projeto Nacional" hoje inexistente.
No final da década de 70, em pleno regime militar, o BNDE ganhou um BNDES (com um "s" de social), e passou a financiar maciçamente também as empresas nacionais. Mas, desde a sua fundação, o BNDES esteve proibido de emprestar a empresas estrangeiras. Por quê? A exemplo de bancos oficiais existentes nos EUA, Japão, França, Itália etc., o BNDES era um instrumento de política industrial e econômica do país. Parte de um "Projeto Nacional".
Cartas marcadas
Na sexta-feira passada, como dito, o presidente FHC, por um simples decreto, mandou o BNDES e outros bancos oficiais passarem a emprestar às multinacionais. Três dias depois, na última segunda-feira, o presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, anunciou -em Paris- que o banco oficial vai financiar parte do investimento da francesa Peugeot no Brasil.
Mais exatamente: de um investimento anunciado de US$ 1 bilhão, o BNDES vai financiar 60%, ou US$ 600 milhões. Detalhe: a Peugeot, como outras multinacionais, quer trazer também fabricantes de autopeças franceses para abastecer sua fábrica. Isto é, o governo brasileiro vai financiar direta ou indiretamente a destruição de empresas nacionais.
Na política de "delenda Brazil" do governo FHC, o objetivo é claro: destruição total de tudo quanto tenha sido construído pelo empresário e o trabalhador brasileiros. Não há intenção de apoiar o empresário nacional. Não custa lembrar que a Metal Leve, do empresário José Mindlin, foi vendida a uma multinacional porque, segundo seu proprietário, não dispunha de R$ 150 milhões para planos de expansão "exigidos" pela política de "modernização". Para a Peugeot, tudo. Para os Mindlin, a "quebra".
Na Geni
Mais provas da política de "terra arrasada", de "delenda Brazil"? Na semana, o Trio (antigo Conselho) Monetário Nacional proibiu os bancos estatais, federais e estaduais de tomarem empréstimos lá fora... Quer dizer: o governo admite que precisa de dólares para cobrir "rombos", mas proíbe seus bancos de captarem no exterior -para não fortalecê-los...
Também na semana, a equipe FHC anunciou cortes nos investimentos da Petrobrás. A empresa já era vítima de aumentos modestíssimos no seu orçamento, em 1996 e 1997, enquanto a Telebrás, que vai ser privatizada, ganhava verbas até 100% maiores.
Pois o novo corte foi em cima da Petrobrás -o que é ótimo para, mais tarde, os de-formadores de opinião dizerem que a "estatal não consegue atender a todas as necessidades do mercado brasileiro". E privatizá-la. "Delenda Brazil".
O caos
Importações, desemprego, destruição das empresas nacionais estão levando a economia para o brejo. Em abril, as vendas dos supermercados caíram 10%. No Dia das Mães, as vendas em São Paulo caíram 6%.
Ah, dizem os sábios da equipe FHC: "Isto é só em São Paulo. No resto do país, tudo está ótimo". É mesmo? Os atacadistas abastecem o comércio do Brasil inteiro. No entanto, segundo a sua entidade, desde fevereiro as vendas caem sem parar. Com dinheiro das colheitas agrícolas e tudo.


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha e diretor de Redação da revista "Visão". Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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