São Paulo, terça-feira, 29 de maio de 2007

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Empresas incentivam combate à escravidão

Sob pressão de varejista, dois frigoríficos se comprometem a cortar os contratos com fazendas presentes em "lista suja'

Pecuária bovina, cana, soja e algodão são as culturas que mais usam escravos, especialmente nas bordas da região amazônica

Leonardo Sakamoto/ONG Repórter Brasil
Grupo resgatado por fiscais do Ministério do Trabalho em fazenda do Pará no ano passado


JULIANA GARÇON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A pressão das grandes companhias em suas cadeias produtivas, especialmente com fornecedores, começa a surtir efeitos no combate ao trabalho forçado no Brasil. Às vésperas do aniversário de dois anos do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, três dos maiores frigoríferos do país se comprometeram a cortar relações comerciais com empresas presentes na "lista suja" do Ministério do Trabalho.
Instituída em fins de 2003, a "lista suja", atualmente com 162 nomes (todos de propriedades rurais), relaciona empresas flagradas com trabalho escravo. A inclusão só acontece após o fim do processo aberto pelo auto da fiscalização, ou seja, após o direito de defesa ser exercido pelos acusados.
As empresas permanecem na lista por dois anos e saem se pagarem as multas resultantes da fiscalização, quitarem todos os débitos trabalhistas e previdenciários e não reincidirem no crime. Bancos federais podem barrar empréstimos de recursos públicos, e a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) está aconselhando seus associados a fazerem o mesmo.
E os signatários -ABN Amro, Carrefour, grupo Rosset, Belgo-Mineira e Suzano, entre outros- do Pacto se comprometem a erradicar o crime em suas cadeias produtivas.

Corte na carne
A pecuária bovina é o setor econômico com maior presença na "lista suja" e, até este mês, dos 19 frigoríferos identificados como compradores de produtos oriundos de trabalho escravo, nenhum havia se comprometido a cortar relações com as fazendas acusadas.
A situação mudou depois que o Wal-Mart cortou contrato com o abatedouro Frinorte, do Tocantins, porque a empresa, mesmo depois de alertada, continuou comprando carne de uma fazenda reincidente em trabalho escravo, e convocou seus outros fornecedores para pedir adesão ao esforço.
O Friboi, maior frigorífico do Brasil, e o Redenção, maior do sudeste do Pará, que compravam mercadorias de fazendas flagradas detendo trabalhadores, assinaram. "A cadeia [produtiva] começa a agir assim, quando alguém cobra em uma ponta, como fez o Wal-Mart", diz Roberto Fontana, diretor de vendas de carne "in natura" do Friboi.
Já o Frigorífico Bertin, o segundo maior abatedouro e o primeiro em exportação de carne do Brasil, cedeu à pressão do Banco Mundial, seu financiador (a empresa recebeu, em março, empréstimo de US$ 90 milhões), e também assinou.
O cientista político Leonardo Sakamoto, coordenador da ONG Repórter Brasil e autor de tese de doutorado sobre a "reinvenção" da escravidão pelo capitalismo, diz que a presença de escravidão e servidão por dívidas no Brasil deixa os exportadores brasileiros vulneráveis a sanções internacionais por alegadas razões humanitárias. A ONG foi responsável pelo mapeamento da escravidão nas cadeias produtivas do país.

Fim de campanha
O Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da OIT (Organização Internacional do Trabalho), catalisadora dos esforços do governo e de organizações não-governamentais, acaba neste ano. Para que tenha continuidade, é preciso que o governo brasileiro faça uma solicitação à entidade, o que ainda não aconteceu, conforme Patrícia Audi, coordenadora nacional para o tema.
Segundo ela, cabe ao Ministério das Relações Exteriores o envio de ofício à OIT. Contudo representantes da organização não conseguiram ser atendidos no Ministério do Trabalho nem obtiveram respostas do MRE.
Procurado pela reportagem, o ministério não informou sua posição sobre o tema. A reportagem também tentou contato com os frigoríficos Bertin, Friboi, Redenção e Frinorte, mas nenhum quis se manifestar.


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