São Paulo, sexta-feira, 29 de junho de 2007

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JOSÉ MÁRCIO CAMARGO

De onde menos se espera...

Há sintomas de excesso de demanda sobre a oferta em vários setores, e são maiores entre os bens comerciáveis

TAXA SELIC a 12% ao ano e taxa de inflação de 3,5% ao ano. Esse é o cenário hoje. O comportamento futuro da taxa de inflação depende das decisões que foram tomadas nos últimos seis meses e das que serão tomadas a partir de agora. A pergunta é se existem pressões inflacionárias latentes decorrentes do descompasso entre oferta e procura que possam interromper o processo de queda das taxas de juros.
Em princípio, em uma economia com superávits em conta corrente, um excesso de demanda em bens comerciáveis levaria a um crescimento das importações, sem pressões inflacionárias relevantes. No entanto, aumentar as importações não é fácil. Para que maiores importações possam ser disponibilizadas sem gerar pressões inflacionárias, um amplo conjunto de condições precisa ser cumprido. Em especial, que a infra-estrutura de portos, distribuição e transportes tenha algum grau de subutilização e que exista disponibilidade de mercadorias no mercado internacional a preços constantes. E essas condições não estão hoje presentes no Brasil. Portanto, as decisões quanto à taxa de juros deverão levar em consideração o descompasso entre oferta e procura dos dois tipos de bens.
Para os bens comerciáveis, dois indicadores podem ser utilizados para avaliar as condições de oferta e demanda: o grau de utilização da capacidade produtiva do setor industrial e um indicador de aceleração inflacionária desses bens. Quanto maior a complementaridade entre as importações e a produção interna, mais estável deve ser o grau de utilização da capacidade produtiva. Dado o preço internacional dos bens e a taxa de câmbio, variações de demanda seriam acompanhadas por variações das importações. Mas o grau de utilização da capacidade produtiva na indústria está crescendo sistematicamente desde meados de 2006, estando próximo ao nível mais alto desde 2004, o que indica que as importações não estão sendo capazes de cobrir a diferença entre oferta e demanda internas.
O segundo indicador é a evolução da porcentagem dos bens comerciáveis que está apresentando aceleração da taxa de inflação, avaliada em termos anuais. Um índice de aceleração inflacionária. Se esse índice aumenta, temos um indicador de que cada vez mais bens comerciáveis estão com excesso de demanda, o que é um indicador antecedente de aumento da taxa de inflação no futuro. E, desde maio de 2006, o índice de aceleração inflacionária dos bens comerciáveis passou de 33% para 55%. Ou seja, 55% dos produtos comerciáveis que compõem o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, usado como balizador das metas de inflação pelo Banco Central) apresentam uma taxa de inflação, em 12 meses, maior a cada mês.
Quanto aos preços dos setor não comerciável, não existe um indicador de grau de utilização da capacidade. Porém podemos utilizar o mesmo índice de aceleração inflacionária dos serviços para antecipar sinais de excesso de demanda. E, entre maio de 2005 e maio de 2007, esse índice para os serviços passou de 55% para 38%, ou seja, em maio, apenas 38% dos serviços que fazem parte do IPCA mostravam sintomas de excesso de demanda e essa porcentagem está em queda.
Esses resultados mostram que existem sintomas de excesso de demanda em relação à oferta em vários setores da economia brasileira e que esse fato é maior entre os bens comerciáveis do que entre os não-comerciáveis. De onde menos se espera é que vem o perigo.


JOSÉ MÁRCIO CAMARGO, 59, é professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e sócio da Tendências Consultoria Integrada. Excepcionalmente, não é publicado o artigo de LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, que escreve nesta coluna, às sextas-feiras.


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