São Paulo, segunda-feira, 29 de junho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Regime e governo no Irã



Reeleito apesar do mau governo, é Ahmadinejad quem hoje ameaça o regime, não o candidato derrotado


Q UAL O SENTIDO da revolta popular no Irã? É o regime político islâmico e nacionalista que está sendo desafiado? Ou estamos diante do protesto popular, principalmente da grande classe média iraniana, contra o governo de Mahamoud Ahmadinejad? Em outras palavras, a demanda por democracia e por secularização está se tornando forte demais, de forma que o sistema teocrático combinado com a República existente no país está em risco, ou estamos diante de uma crise interna do regime devido a um governo particularmente incompetente?
Se levarmos em conta a forma pela qual as elites ocidentais olham o regime político iraniano, se aceitarmos a interpretação de que a revolução de 1979 foi apenas a vitória de um fundamentalismo religioso retrógrado, a primeira alternativa seria verdadeira. Entretanto, se considerarmos que aquela revolução foi o início de uma revolução nacional, foi a maneira pela qual a sociedade iraniana manifestou seu repúdio ao regime do xá -um regime político colonial e corrupto imposto pelas potências imperiais do Ocidente e a elas subordinado-, compreenderemos porque os iranianos não pretendem voltar ao passado. Eles sabem que o regime islâmico é o caminho para a revolução capitalista ou modernizadora, para a construção do Estado nacional que Mohammed Mossadegh tentou empreender nos anos 1950, mas foi violentamente impedido pelo Ocidente. Essa revolução parece paradoxal porque utiliza uma versão integrista da religião muçulmana como instrumento de legitimação política, mas as nações hoje desenvolvidas usaram a religião para legitimar seu Estado e sua política nacional. Na Inglaterra, Henrique 8º criou uma religião nacional com esse objetivo.
Como a China, o Irã foi sede de um grande império -o Persa- do qual os iranianos se orgulham. Entre os países muçulmanos, só a Turquia se compara ao Irã em termos de desenvolvimento econômico e cultural. Conta com uma grande classe média, e com padrões de vida razoáveis que melhoram ano a ano. Essa classe média está agora em crise, porque gostaria de ter a liberdade política existente nos países ricos ou mesmo nos países de renda média como o Brasil, mas, como o Irã ainda não completou sua revolução capitalista, sabe que a autonomia nacional e a ordem pública asseguradas pelo regime islâmico são importantes para que essa revolução se complete e o país se modernize. Sabe que o risco da volta a um regime desmoralizado como foi o do xá, ou como são os regimes hoje existentes nos vizinhos Egito e Paquistão, é muito grande. Supõe que, no estágio de desenvolvimento e no quadro geopolítico de seu país, a combinação de Estado teocrático e governo secular que hoje existe no Irã é o caminho para a revolução nacional e capitalista mais seguro -aquele que mais rapidamente permitirá chegar a uma democracia consolidada.
O aiatolá Ali Khamenei dirige o Estado e representa o regime baseado na chária (a lei islâmica), enquanto o presidente eleito governa de acordo com a lei e os princípios republicanos. A revolta popular mostrou que os iranianos estão descontentes com o presidente e com a fraude nas eleições. Estas, entretanto, foram limitadas, já que as pesquisas davam ampla maioria a Ahmadinejad. Hoje, reeleito apesar de haver realizado um mau governo, é ele quem ameaça o regime, não o candidato derrotado, Hosein Mousavi, que é um reformista moderado. E o aiatolá que o apoiou, em vez de permanecer neutro, enfrenta uma crise sem precedentes.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
bresserpereira@gmail.com


Texto Anterior: Mercado Aberto
Próximo Texto: Varejo e indústria não repassam corte do IPI
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.