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LUIZ GONZAGA BELLUZZO
O público e o privado
A ferrovia sumiu como meio de transporte de passageiros, uma "mancada" estratégica da era desenvolvimentista
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O CAOS AÉREO e suas conseqüências trágicas devem ser
examinados além das discussões sobre a segurança das pistas ou
dos desencontros sobre a qualidade
do marco regulatório imposto pelas
agências aos protagonistas privados.
Não pretendo descartar a possibilidade de relações virtuosas entre o
Estado e o mercado. Muito ao contrário: julgo que o período glorioso
da vida social e do progresso econômico deve seu desempenho às articulações que, na segunda metade do
século 20, enlaçaram o público e o
privado.
Energia, transporte, saneamento
básico, educação e saúde são bens
públicos. Um bom e honesto economista ortodoxo reconheceria a superioridade dos mercados na produção de bens "privados". Também
concordaria que a coordenação coletiva é imprescindível em situações
que envolvem externalidades, assimetria de informação e bens públicos. Andrew Schotter mostra, em
seu ensaio "Free Market Econonomics", que a produção de bens públicos raramente pode escapar da
coordenação e do planejamento executados pelo Estado e prescindir
do gasto fiscal, com ou sem a participação privada.
O setor público -sobretudo num
país periférico e de industrialização
tardia- funciona como um provedor de externalidades positivas para
o setor privado. Até o início dos anos
80, o investimento público em infra-estrutura corria à frente da demanda corrente e coordenava as decisões de investimento privado. A
coordenação e o planejamento de
longo prazo dos projetos de infra-estrutura sobreviveu até o início dos
anos 80. Foi progressivamente desmontado pela fúria liberalizante,
sob a hipótese tola de que a privatização seria capaz de resolver os problemas de financiamento e de criação de capacidade acima da evolução da demanda.
O sistema brasileiro de transportes, já excessivamente concentrado
na expansão da malha rodoviária e
no crescimento do transporte aéreo,
sofreu as conseqüências do colapso
das finanças públicas desencadeado
pela crise da dívida externa de 1982.
A ferrovia, desde os anos 50 e até
recentemente, perdeu participação
no transporte de cargas. Desapareceu como meio de transporte de
passageiros, uma "mancada" estratégica nascida na era desenvolvimentista. Hoje, sua ausência faz
companhia à má conservação das
rodovias e à inépcia na regulação do
transporte aéreo.
Há que lastimar, ademais, a péssima qualidade da política fiscal, entregue à estupidez das burocracias
econômicas. Os equívocos da política monetária e suas conseqüências
cambiais afetaram negativamente a
política fiscal e impuseram à sociedade brasileira o ônus do superávit
primário, obtido à custa de cortes
tão irracionais quanto socialmente
irresponsáveis. Os cortes indiscriminados sacrificaram não só o investimento público, mas também
estrangularam a expansão dos gastos correntes em áreas cruciais para
a operação eficiente da economia
brasileira. Basta lembrar aqui do
episódio ridículo da febre aftosa, das
estradas esburacadas e dos baixos
salários dos professores.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 64, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo
Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de
São Paulo (governo Quércia).
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