São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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RETOMADA RESIDUAL

Com crescimento da renda e do consumo, volume coletado pelas prefeituras cresce até 10% em julho

Reação da economia chega ao cesto de lixo

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A retomada da economia já pode ser medida no cesto de lixo. Quem estuda e quem vive do lixo notou o aumento dos resíduos sólidos por conta da reação da economia. Em pelo menos quatro capitais brasileiras -São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Vitória- subiu o volume de resíduos gerados pelas famílias.
O aumento na coleta de lixo feita pelas prefeituras -um dos indicadores do consumo da população- chega a 10% em julho, como em Vitória, na comparação com igual mês do ano passado.
A expansão na quantidade de lixo recolhido nas residências coincide com a recuperação da atividade econômica e com a melhora do emprego e da renda a partir de maio. É reflexo principalmente do aumento das vendas de embalagens de papelão, de eletroeletrônicos e de alimentos.
Em São Paulo, a coleta de resíduos domiciliares subiu 3,2% em julho, na comparação com igual período do ano passado, atingindo 263,2 mil toneladas. "Esse aumento se deve principalmente ao aquecimento da economia", diz Fábio Pierdomenico, diretor do Departamento de Limpeza Urbana da Prefeitura de São Paulo.
O crescimento da coleta domiciliar na cidade só não foi maior por causa dos programas de reciclagem e da taxa do lixo, segundo informa. Cerca de 2 milhões de paulistanos pagam hoje essa taxa, criada no ano passado, que varia de R$ 6,67 a R$ 133,15.
"Quando a economia cresce, a arrecadação de impostos aumenta, a produção sobe, e o consumo se expande. Isso tudo tem reflexo no que é jogado fora. Aumentam os resíduos coletados e despejados nos aterros", afirma o economista Paulo Sandroni.
Estudo da consultoria Proema Engenharia e Serviços mostra que a renda tem relação direta com a geração de lixo domiciliar. A constatação foi feita ao estudar o lixo gerado por diversas classes de renda no período de 1996 a 2004 na cidade de São Paulo.
O que se verificou, segundo o estudo, é que, nos anos em que o PIB (Produto Interno Bruto) da cidade cresceu, a geração de lixo per capita também aumentou. "O poder aquisitivo tem influência direta no volume de lixo gerado", diz Maria Helena de Andrade Orth, diretora-presidente da Proema e presidente da ABLP (Associação Brasileira de Limpeza Pública e Resíduos Sólidos).
"A geração de lixo é um indicador de renda. Cidades como Nova York e Tóquio geram mais lixo que São Paulo e Buenos Aires, as quais geram mais lixo que Bangladesh", afirma Christopher Wells, gerente de Risco Sócio-Ambiental do Banco Real.

Outras capitais
Em Vitória, a coleta de lixo domiciliar aumentou 10,6% de janeiro a julho deste ano em comparação com igual período do ano passado. "Em 2003, quando a economia ainda estava em recessão, a quantidade de resíduos recebidos pela unidade de triagem e compostagem da capital caiu. Neste ano, já houve aumento", diz José Celso Motta, diretor do Departamento de Tratamento de Resíduos Sólidos da Secretaria de Meio Ambiente de Vitória.
Na capital mineira, foram coletadas, nos primeiros sete meses deste ano, 293,1 mil toneladas de lixo domiciliar -o que significa crescimento de 2,17% em relação a igual período de 2003.
Na cidade do Rio, o aumento na quantidade de lixo recolhido nos domicílios foi de 10,9% em junho sobre igual período do ano passado. No semestre, o crescimento foi de 6,11%. Apesar desse aumento, José Guimarães Bulus, diretor industrial da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana), avalia que ainda é cedo para atribuir o crescimento da coleta à melhora da economia no Rio. "É preciso um estudo mais detalhado sobre o lixo gerado para dizer isso."
O que pode mascarar a relação entre o lixo gerado e o desempenho econômico são: 1) a ampliação de coleta regular de lixo em algumas cidades; 2) a expansão de programas de reciclagem nos bairros e 3) o volume coletado informalmente pelos catadores.
Embora a coleta seletiva ainda tenha pouca participação no total de lixo coletado pelas cidades -hoje representa no máximo 5%-, ela serve para diminuir o volume de lixo coletado regularmente pelas prefeituras.
"O fato de uma cidade coletar mais lixo reciclável não significa necessariamente que a geração de resíduos aumentou. Pode ser que a cidade aprimorou seu sistema de coleta", afirma Luciana Ziglio, consultora da área ambiental.
Curitiba, primeira cidade brasileira a implementar o sistema de coletiva seletiva e que tem o maior índice de aproveitamento do lixo reciclável no país, é exemplo disso. A coleta na região metropolitana da cidade vem caindo mês a mês. No mês passado, a coleta domiciliar foi de 52,7 mil toneladas. Em julho do ano passado, foi de 57,2 mil toneladas.
"As pessoas estão descartando menos porque estão reciclando mais", afirma Gisele Martins dos Anjos, gerente de Limpeza da Prefeitura de Curitiba. Há três anos, a coleta mensal média chegou a 61 mil toneladas.
Em Porto Alegre, também houve queda no lixo domiciliar. Em quase todos os meses deste ano, a coleta domiciliar foi menor do que no ano passado. Em julho deste ano, foi 0,75% menor que igual mês de 2003.
Marcelo da Silva Hoffmann, engenheiro e diretor da Divisão de Destino Final do Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre, informa que a diminuição na coleta se deve à mudança de hábito do consumidor, ao aumento do recolhimento informal de lixo, a alterações no tipo de embalagens usadas pelas indústrias e aos projetos de educação ambiental -como o de compostagem caseira.
"A população tem mais consciência ambiental. Também é fato que o empobrecimento do país levou mais pessoas a viver do lixo", afirma Hoffmann.
Para Ariovaldo Caodaglio, presidente do Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana do Estado de São Paulo, o crescimento no volume de lixo coletado informalmente (por catadores) também pode ser sinal de empobrecimento. "Se tivesse emprego, não estaria catando lixo", afirma.


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