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LUÍS NASSIF
Um exercício de poder
Ontem, em diversas artigos,
economistas de peso -como Antonio Delfim Netto e Yoshiaki Nakano- saudaram a mudança qualitativa na política econômica do governo Lula. Mesmo
não aceitando a tese de excesso de
demanda agregada -alegada
nas últimas atas do Copom (Comitê de Política Monetária do
Banco Central)-, consideraram
positiva a idéia de combater com
corte de custeio (aumento do superávit primário), e não por meio
da elevação de juros.
Os mesmos jornais relataram o
que se poderia chamar de "discurso" do presidente do BC, Henrique Meirelles, na posse da nova
diretoria da ABBC (Associação
Brasileira de Bancos), apontando
para direção totalmente oposta.
Por sua formação e conhecimento, Meirelles é uma espécie de
ouvinte privilegiado das reuniões
do Copom e do BC. Pelo discurso,
fica patente que ou não é ouvinte
atento ou as aulas são de uma nota só. Limita-se a juntar duas premissas frágeis e, em seguida, pespegar uma conclusão taxativa,
sem que se percebam com clareza
as relações causais. Nada de muito grave, se se tratasse de um leitor médio de jornal; mas assustador, em se tratando da mais alta
autoridade monetária do país.
Na sua fala, Meirelles decretou
que políticas fiscal e monetária
têm papéis distintos e independentes entre si. Política fiscal é para reduzir a relação dívida/PIB;
política monetária é para reduzir
a inflação. Não há nenhuma relação entre elas. Independentemente do superávit que se venha a
perseguir, não será alterada a trajetória dos juros. E ponto.
Provavelmente conceitos como
política fiscal atuando sobre a demanda agregada, sendo cíclica ou
contracíclica, são elaborações
muito complexas, que poderiam
estragar a estética "clean" de seu
método em torno do vazio.
Culminou a aula magna com
um silogismo límpido e consistente como o interior de um cubo de
gelo. Disse não entender por que
alguns empresários, no final de
semana, anunciaram intenção de
segurar investimentos depois das
últimas atas do Copom sugerindo
mais elevação de juros e da decisão do governo de aumentar o superávit fiscal.
"Se" o aumento dos juros vai
permitir manter a inflação sob
controle; "se" o aumento do superávit fiscal vai permitir manter a
dívida pública sob controle, "logo" as duas decisões deveriam levar os empresários a investir
mais, e não o contrário, porque
estaria assegurado o crescimento
sustentado. Custo de oportunidade, taxa interna de retorno dos
investimentos, influência de políticas fiscais na demanda agregada são detalhes irrelevantes. O
que vale, como dizia Meirelles, é o
BC ter capacidade de se antecipar
aos movimentos de preço para
não pagar mais à frente. No mesmo momento, institutos de pesquisa divulgavam os últimos dados de preços, que mostram desaceleração da inflação e queda de
consumo. Como diria um personagem clássico do pensamento
latino-americano: "Não contavam com minha astúcia?".
A fixação da Selic tornou-se mero exercício de auto-afirmação e
demonstração de poder.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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