São Paulo, quarta-feira, 29 de setembro de 2004

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LUÍS NASSIF

Um exercício de poder

Ontem, em diversas artigos, economistas de peso -como Antonio Delfim Netto e Yoshiaki Nakano- saudaram a mudança qualitativa na política econômica do governo Lula. Mesmo não aceitando a tese de excesso de demanda agregada -alegada nas últimas atas do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central)-, consideraram positiva a idéia de combater com corte de custeio (aumento do superávit primário), e não por meio da elevação de juros.
Os mesmos jornais relataram o que se poderia chamar de "discurso" do presidente do BC, Henrique Meirelles, na posse da nova diretoria da ABBC (Associação Brasileira de Bancos), apontando para direção totalmente oposta.
Por sua formação e conhecimento, Meirelles é uma espécie de ouvinte privilegiado das reuniões do Copom e do BC. Pelo discurso, fica patente que ou não é ouvinte atento ou as aulas são de uma nota só. Limita-se a juntar duas premissas frágeis e, em seguida, pespegar uma conclusão taxativa, sem que se percebam com clareza as relações causais. Nada de muito grave, se se tratasse de um leitor médio de jornal; mas assustador, em se tratando da mais alta autoridade monetária do país.
Na sua fala, Meirelles decretou que políticas fiscal e monetária têm papéis distintos e independentes entre si. Política fiscal é para reduzir a relação dívida/PIB; política monetária é para reduzir a inflação. Não há nenhuma relação entre elas. Independentemente do superávit que se venha a perseguir, não será alterada a trajetória dos juros. E ponto.
Provavelmente conceitos como política fiscal atuando sobre a demanda agregada, sendo cíclica ou contracíclica, são elaborações muito complexas, que poderiam estragar a estética "clean" de seu método em torno do vazio.
Culminou a aula magna com um silogismo límpido e consistente como o interior de um cubo de gelo. Disse não entender por que alguns empresários, no final de semana, anunciaram intenção de segurar investimentos depois das últimas atas do Copom sugerindo mais elevação de juros e da decisão do governo de aumentar o superávit fiscal.
"Se" o aumento dos juros vai permitir manter a inflação sob controle; "se" o aumento do superávit fiscal vai permitir manter a dívida pública sob controle, "logo" as duas decisões deveriam levar os empresários a investir mais, e não o contrário, porque estaria assegurado o crescimento sustentado. Custo de oportunidade, taxa interna de retorno dos investimentos, influência de políticas fiscais na demanda agregada são detalhes irrelevantes. O que vale, como dizia Meirelles, é o BC ter capacidade de se antecipar aos movimentos de preço para não pagar mais à frente. No mesmo momento, institutos de pesquisa divulgavam os últimos dados de preços, que mostram desaceleração da inflação e queda de consumo. Como diria um personagem clássico do pensamento latino-americano: "Não contavam com minha astúcia?".
A fixação da Selic tornou-se mero exercício de auto-afirmação e demonstração de poder.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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