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ENTREVISTA - EDUARDO GIANNETTI
Mundo financeiro passa da embriaguez à ressaca moral
Economista aponta "colapso da confiança" e prevê período de forte regulamentação
O economista Eduardo Giannetti vê uma ressaca moral nos mercados, que segue a embriaguez que estimulou a tomada de risco sem precedentes pelos investidores. Diz que há um problema ético na "arrumação
da casa" porque a euforia trouxe lucros privados para
poucos, mas a conta será socializada para todos. Ele
não acredita que, mais pobres, as pessoas fiquem menos felizes e afirma que a "angústia" maior é não saber
o tamanho dos prejuízos e das privações que virão.
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Giannetti diz que o mundo financeiro ganhou uma "musculatura irreal" na economia e
passa hoje por um "colapso da
confiança". Ele prevê um período de forte regulamentação, até
que, mais uma vez, a criatividade do mercado crie novos produtos, que traga riscos maiores
e desconhecidos. Leia trechos
de entrevista.
FOLHA - Os bancos perderam a
confiança e pararam de emprestar
entre si. A confiança é muito tênue?
EDUARDO GIANNETTI - Todo o sistema financeiro do mundo hoje
está baseado em crenças e confiança. A nota de real que eu e
você temos no bolso não passa
de uma promessa sem lastro. Se
a gente perder a confiança nesse papel, ele desaparece. Tudo
está baseado em crenças, promessas e expectativas. A confiança custa para ser construída, mas é muito rápida de ser
destruída, principalmente
quando se vê o colapso sucessivo de bancos.
FOLHA - Os bancos e os investidores tinham consciência dos riscos
que estavam correndo?
GIANNETTI - Às vezes, você está
em uma situação perigosa sem
saber o risco que está correndo.
No momento em que as pessoas se tornam cientes, elas entram em pânico. Avicena [filósofo islâmico], lá no século 11, já
descreveu essa experiência.
Disse que o homem não sente
dificuldade em caminhar por
uma tábua enquanto acredita
que ela está apoiada no chão,
mas vacila e depois despenca ao
se dar conta de que estava suspensa sobre um abismo.
FOLHA - Como o mundo sai tão rápido do excesso de segurança para
uma crise de confiança?
GIANNETTI - O que aconteceu no
mundo foi um coquetel muito
perigoso. Tivemos um período
muito longo de juros baixos,
uma expansão enorme da liquidez, um crescimento econômico sem pressão inflacionária,
uma criatividade espantosa para inventar novos produtos financeiros, e a tecnologia da informação acelerou o ritmo de
acontecimento das coisas. Com
a desregulamentação do mercado, gerou uma situação de
complexidade e de interdependência que ninguém compreende bem sua dinâmica.
FOLHA - As pessoas se iludiram?
GIANNETTI - Quando tudo está
indo bem, o apetite pelo risco
aumenta. As pessoas vão ficando mais confiantes e fazendo
apostas maiores. Tinha uma falácia de que esses novos produtos financeiros permitiam precificar e distribuir melhor o risco no sistema -coisa que se
mostrou complemente furada;
era exatamente o contrário.
Quando se começa a ter os indícios de que a rentabilidade
não ocorrerá e surge um problema como foi no mercado de
crédito de alto risco nos EUA,
você tem uma percepção de
que foi longe demais, que as
perdas vão ocorrer e serão
grandes. Aí a psicologia gira na
direção contrária e acontece
uma terrível aversão ao risco.
Você vê risco em tudo.
FOLHA - O modelo de banco de investimento está condenado?
GIANNETTI - O Goldman Sachs
tinha US$ 25 aplicados para cada US$ 1 de caixa. Houve uma
hipertrofia das finanças. No
início da década de 80, o lucro
dos bancos representava 10%
do lucro total da economia
americana. Agora, é 40%. É
muito difícil imaginar que haja
valor criado por traz dessa lucratividade. É uma coisa artificial. É muita gente tentando ganhar manipulando dinheiro.
FOLHA - Mas isso estourou...
GIANNETTI - Sim, foi algo que resultou de um certo delírio coletivo, ganhou vida própria e se
abateu sobre as pessoas. Não é
novidade. Desde a febre das tulipas, no século 16, vem se repetindo indefinidamente. O que
muda agora é o grau de complexidade e de interdependência.
FOLHA - O que vem depois? Um período de forte regulação?
GIANNETTI - Sim. O [Henry]
Paulson [secretário do Tesouro] foi chamado para fazer um
movimento de liberalização.
Ele está implementando uma
das ações mais intervencionistas do Estado. Não é a primeira
vez, o Nixon chamou os economistas de Chicago, Milton
Friedman entre eles. Quando a
coisa apertou, implantou um
controle de preços e salários. E
ainda declarou: Somos todos
keynesianos agora.
FOLHA - Por que a maioria dos economistas errou suas previsões?
GIANNETTI - No momento de incertezas, o espectro dos prognósticos se expande. A dispersão de previsões e de opiniões
se torna muito maior do que no
período de normalidade, em
que as previsões convergem.
Como trabalhar isso? Há dois
limites: o otimista e o pessimista. Nós estamos vivendo uma
coisa parecida com 2001, no estouro da bolha da internet, que
foi a menor recessão nos EUA.
Foi [em forma de] um "V". A
coisa caiu, teve uma certa vertigem e depois voltou. No limite
de pessimismo, vem o "L". Cai e
se arrasta, como na Depressão
de 1929 e na recessão no Japão,
nos anos 90. O cenário intermediário é o "U", que não é tão
simples como foi em 2001, mas
não é tão crônico quanto o "L".
FOLHA - E qual o cenário desta vez?
GIANNETTI - Estamos passando
por algo bem mais sério que o
"V", mas também duvido que se
transforme num "L". Nos anos
30, no momento em que deveria expandir a liquidez, o Fed
contraiu e gerou uma forte desconfiança que levou a uma depressão crônica. No Japão,
duas coisas aconteceram que
não tendem a se repetir. Primeiro, a política monetária ficou impotente porque houve
deflação. O cidadão guardava o
dinheiro debaixo do colchão e,
quando ia gastar, valia mais
porque os preços caíram. E o
governo, em conluio com os
bancos, em vez de explicitar as
perdas, jogou para baixo do tapete. Em vez da dor curta e aguda, preferiram uma dor crônica
suave, mas que se arrastou por
anos. Nesse aspecto, os americanos são corajosos. Quando
quebram, fazem dispensas, tomam medida drástica e limpam
rapidamente o passado. É uma
cultura quase filosófica dos
americanos com o desassombro do recomeço, que não tem
na cultura oriental.
FOLHA - Essa crise ameaça a hegemonia americana?
GIANNETTI - Tem muita gente
torcendo para isso. Não vejo os
EUA em processo de declínio,
mas o mundo é dinâmico e está
mudando. Os EUA continuam
sendo a maior economia do
mundo e a força mais inovadora em termos de patentes, tecnologia e criatividade.
FOLHA - O mundo sai pobre dessa
crise. As pessoas estão mais tristes?
GIANNETTI - Não acho. A gente
se desfaz de muitas ilusões. Havia quase uma embriaguez de
enriquecimento sem trabalho.
E isso tira muitos talentos para
a especulação. Uma coisa é a
crise financeira e outra são as
seqüelas no mundo real: desemprego, fome, pobreza. O tamanho das seqüelas dessa crise
ainda está em aberto. Nessas
horas, ajuda muito pensar no
pior cenário. Pode ser que tenhamos uma recessão de dois
ou três anos. E daí? Será que o
mundo não estava precisando
de uma pausa para respirar?
Será que não vivemos um frenesi de consumo de recursos
naturais e não podemos ter
uma trégua para repensar um
pouco o lugar do econômico na
vida humana? Será que faz tanto sentido concentrar tanto da
nossa atenção no sucesso financeiro? Será que não está na
hora de isso ocupar um segundo plano?
FOLHA - É justo o socorro aos bancos com dinheiro do contribuinte?
GIANNETTI - Quando os banqueiros estavam ganhando bilhões de dólares, tudo era privado e particular. No momento
em que esses banqueiros e esses grandes aplicadores perdem bilhões, vem o governo e
socializa jogando a conta para
as gerações futuras. Tem alguma coisa profundamente errada do ponto de vista ético nesse
sistema. É uma assimetria inaceitável de tratamento de ganhos e perdas.
FOLHA - O Brasil soube aproveitar
essa euforia no mundo financeiro?
GIANNETTI - O país fez um ajuste
muito importante e isso deu
uma condição robusta para assimilar o impacto dessa crise. O
Brasil tinha um quadro de hipersensibilidade ao mercado
internacional. Bastava uma gripe lá fora para virar uma pneumonia aqui. Desta vez, a casa
estava arrumada.
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