|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Nem US$ 700 bi compram solução rápida
MICHAEL LIEDTKE
DA ASSOCIATED PRESS
Nem mesmo US$ 700 bilhões serão suficientes para
poupar os Estados Unidos de
mais sofrimento econômico, se
o pacote de resgate dos bancos,
proposto pelo governo, seguir
um caminho semelhante ao
descrito por ações similares tomadas em momentos de desespero nas duas últimas décadas.
Tome-se, por exemplo, o resgate feito pelo governo americano ao setor de poupanças e
empréstimos em agosto de
1989. As Bolsas caíram 12% nos
primeiros 14 meses do plano de
resgate, enquanto a economia
mergulhou numa recessão que
começou em julho de 1990 e
durou oito meses. Os preços
dos imóveis residenciais, que
estavam se desvalorizando, caíram por mais três anos.
Há poucas razões para supor
que as coisas sejam muito diferentes desta vez. O pacote de
socorro atual envolve ativos de
avaliação mais difícil e chega
num momento em que a economia dos EUA já se encontra à
beira de uma recessão, se é que
já não mergulhou nela.
O resgate proposto autorizará o governo a tomar emprestados até US$ 700 bilhões para
comprar os ativos podres que
estão envenenando os bancos.
A maioria desses ativos está
atrelada a hipotecas concedidas a devedores que ou não têm
meios de fazer seus pagamentos mensais ou simplesmente
optaram por não fazê-los porque sua dívida já ultrapassa em
muito o valor de seus imóveis.
Ninguém parece saber ao
certo quanto valem esses ativos, mas o governo está apostando que, com o tempo, conseguirá controlar a situação e acabar auferindo lucros.
Ao mesmo tempo em que o
governo tenta resolver a confusão criada por credores insensatos, devedores e investidores,
tudo indica que mais problemas irão se acumular.
Esses problemas podem incluir mais desemprego, na medida em que empresas em situação difícil devido à queda de
suas vendas e ao acesso limitado ao crédito decidam enxugar
suas folhas de pagamento. Isso
pode levar à quebra de mais
bancos, na medida em que devedores sem recursos deixam
de pagar as prestações de seus
empréstimos. E a maioria dos
especialistas acha que ainda
existe grande chance de que a
queda nos mercados imobiliários e de ações se aprofunde.
O governo espera que sua intervenção desentupa a tubulação pela qual correm os empréstimos, mas não é certo que
isso aconteça, disse Sung Won
Sohn, professor de economia
da California State University
em Channel Islands.
"O simples fato de o governo
estar oferecendo um pacote de
resgate a Wall Street não quer
dizer que os bancos de dimensões médias vão mudar de opinião de repente e voltar a conceder empréstimos", disse.
Isso sugere que as estatísticas econômicas não vão nem
sequer refletir alguns dos efeitos colaterais -todas as oportunidades de empréstimos perdidas que ocorrem quando os
bancos tentam equilibrar suas
folhas de balanço periclitantes.
Muitos bancos reduziram o
crédito que oferecem, porque
já estão nadando em prejuízos
e não querem correr o risco de
emprestar a mais credores, o
que os poderia levar a afogar.
"A verdadeira tragédia é que
nunca saberemos quantas empresas teriam sido abertas ou
poderiam ter se ampliado, se
tudo isso não tivesse acontecido", disse Jonathan Macey, vice-reitor da Escola de Direito
Yale e autor de um livro sobre o
resgate dado pelo governo na
Suécia no início dos anos 1990.
No melhor cenário possível,
disse Macey, os EUA vão se recuperar em dois anos, como fez
a Suécia após o governo gastar
bilhões de dólares para salvar
os bancos do país, afundados
em problemas, e escorar o mercado imobiliário habitacional.
Antes de o remédio fazer
efeito, a Suécia tinha passado
por 20 meses de recessão, durante os quais quase 60 mil empresas quebraram, os imóveis
sofreram desvalorização de
19% e o índice da Bolsa de Valores nacional caiu 45% em relação a seu pico. Finda a ressaca,
os bons tempos voltaram, e,
desde 1994, a Suécia vem tendo
crescimento econômico de
3,2%, em média, ao ano.
A Suécia desembolsou 65 bilhões de coroas (cerca de US$
10 bilhões na época), mas recuperou a maior parte do dinheiro porque comprou uma participação em alguns dos bancos
que passavam por problemas.
O governo ainda é dono de quase 20% de um dos bancos -essa
participação está à venda agora.
Os parlamentares americanos
também discutem se faz sentido adquirir participações em
alguns dos bancos que o governo pretende ajudar.
Num cenário mais sombrio, o
resultado positivo do resgate
americano pode levar muito
mais tempo para se manifestar.
Foi o que aconteceu no Japão
quando seu governo finalmente interveio na crise imobiliária
e bancária que começou no início da década de 1990.
Quando o governo agiu, em
1997, o buraco econômico já
era tão profundo que foram
precisos outros sete ou oito
anos para o país sair dele. O valor líquido pago pelos cofres
públicos para solucionar a confusão foi de 18 trilhões de ienes
(US$ 168 bilhões), segundo a
Financial Services Agency.
A fase abissal pela qual o Japão passou nos anos 1990 hoje
é conhecida como "a década
perdida". Embora sua economia esteja em situação melhor
hoje, o mercado acionário japonês ainda não retornou ao pico
anterior ao estouro da bolha. E
o país ainda tem mais ou menos
US$ 9 bilhões em bens mantidos como garantia e que precisam ser vendidos.
No entanto, parece pouco
provável que os EUA tenham
que esperar tanto tempo para
se recuperarem, porque o governo está tomando a iniciativa
de tentar resolver o caos financeiro muito mais rapidamente
do que fez o Japão.
Os EUA estão se propondo a
socorrer seus bancos 18 meses
depois do pedido de concordata
da New Century Financial, que
concedia empréstimos de hipotecas. "Algumas medidas de resolução são mais eficazes que
outras para restaurar a saúde
do sistema bancário e conter os
efeitos negativos sobre a economia real", concluiu o Fundo
Monetário Internacional num
estudo sobre 124 crises financeiras desde 1970. "Parece que
a rapidez da reação é essencial."
Mesmo que o governo americano esteja agindo em tempo
hábil para fazer uma diferença,
o êxito de sua iniciativa provavelmente vai depender de sua
capacidade de calcular o preço
justo a pagar por um misto exótico de investimentos avalizados por hipotecas e outros títulos que não são fáceis de avaliar.
Se todas essas peças se encaixarem, os EUA poderão lucrar ou,
pelo menos, minimizar seu
prejuízo. Por outro lado, se o
governo avaliar mal o valor dos
ativos problemáticos ou se o
mercado imobiliário habitacional permanecer estagnado, os
prejuízos podem ser imensos.
Tradução de CLARA ALLAIN
Texto Anterior: Obama e McCain declaram apoio a pacote Próximo Texto: Entrevista - Eduardo Giannetti: Mundo financeiro passa da embriaguez à ressaca moral Índice
|