São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 2008

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ANÁLISE

Nem US$ 700 bi compram solução rápida

MICHAEL LIEDTKE
DA ASSOCIATED PRESS

Nem mesmo US$ 700 bilhões serão suficientes para poupar os Estados Unidos de mais sofrimento econômico, se o pacote de resgate dos bancos, proposto pelo governo, seguir um caminho semelhante ao descrito por ações similares tomadas em momentos de desespero nas duas últimas décadas.
Tome-se, por exemplo, o resgate feito pelo governo americano ao setor de poupanças e empréstimos em agosto de 1989. As Bolsas caíram 12% nos primeiros 14 meses do plano de resgate, enquanto a economia mergulhou numa recessão que começou em julho de 1990 e durou oito meses. Os preços dos imóveis residenciais, que estavam se desvalorizando, caíram por mais três anos.
Há poucas razões para supor que as coisas sejam muito diferentes desta vez. O pacote de socorro atual envolve ativos de avaliação mais difícil e chega num momento em que a economia dos EUA já se encontra à beira de uma recessão, se é que já não mergulhou nela.
O resgate proposto autorizará o governo a tomar emprestados até US$ 700 bilhões para comprar os ativos podres que estão envenenando os bancos.
A maioria desses ativos está atrelada a hipotecas concedidas a devedores que ou não têm meios de fazer seus pagamentos mensais ou simplesmente optaram por não fazê-los porque sua dívida já ultrapassa em muito o valor de seus imóveis.
Ninguém parece saber ao certo quanto valem esses ativos, mas o governo está apostando que, com o tempo, conseguirá controlar a situação e acabar auferindo lucros.
Ao mesmo tempo em que o governo tenta resolver a confusão criada por credores insensatos, devedores e investidores, tudo indica que mais problemas irão se acumular.
Esses problemas podem incluir mais desemprego, na medida em que empresas em situação difícil devido à queda de suas vendas e ao acesso limitado ao crédito decidam enxugar suas folhas de pagamento. Isso pode levar à quebra de mais bancos, na medida em que devedores sem recursos deixam de pagar as prestações de seus empréstimos. E a maioria dos especialistas acha que ainda existe grande chance de que a queda nos mercados imobiliários e de ações se aprofunde.
O governo espera que sua intervenção desentupa a tubulação pela qual correm os empréstimos, mas não é certo que isso aconteça, disse Sung Won Sohn, professor de economia da California State University em Channel Islands.
"O simples fato de o governo estar oferecendo um pacote de resgate a Wall Street não quer dizer que os bancos de dimensões médias vão mudar de opinião de repente e voltar a conceder empréstimos", disse.
Isso sugere que as estatísticas econômicas não vão nem sequer refletir alguns dos efeitos colaterais -todas as oportunidades de empréstimos perdidas que ocorrem quando os bancos tentam equilibrar suas folhas de balanço periclitantes. Muitos bancos reduziram o crédito que oferecem, porque já estão nadando em prejuízos e não querem correr o risco de emprestar a mais credores, o que os poderia levar a afogar.
"A verdadeira tragédia é que nunca saberemos quantas empresas teriam sido abertas ou poderiam ter se ampliado, se tudo isso não tivesse acontecido", disse Jonathan Macey, vice-reitor da Escola de Direito Yale e autor de um livro sobre o resgate dado pelo governo na Suécia no início dos anos 1990.
No melhor cenário possível, disse Macey, os EUA vão se recuperar em dois anos, como fez a Suécia após o governo gastar bilhões de dólares para salvar os bancos do país, afundados em problemas, e escorar o mercado imobiliário habitacional.
Antes de o remédio fazer efeito, a Suécia tinha passado por 20 meses de recessão, durante os quais quase 60 mil empresas quebraram, os imóveis sofreram desvalorização de 19% e o índice da Bolsa de Valores nacional caiu 45% em relação a seu pico. Finda a ressaca, os bons tempos voltaram, e, desde 1994, a Suécia vem tendo crescimento econômico de 3,2%, em média, ao ano.
A Suécia desembolsou 65 bilhões de coroas (cerca de US$ 10 bilhões na época), mas recuperou a maior parte do dinheiro porque comprou uma participação em alguns dos bancos que passavam por problemas. O governo ainda é dono de quase 20% de um dos bancos -essa participação está à venda agora. Os parlamentares americanos também discutem se faz sentido adquirir participações em alguns dos bancos que o governo pretende ajudar.
Num cenário mais sombrio, o resultado positivo do resgate americano pode levar muito mais tempo para se manifestar. Foi o que aconteceu no Japão quando seu governo finalmente interveio na crise imobiliária e bancária que começou no início da década de 1990.
Quando o governo agiu, em 1997, o buraco econômico já era tão profundo que foram precisos outros sete ou oito anos para o país sair dele. O valor líquido pago pelos cofres públicos para solucionar a confusão foi de 18 trilhões de ienes (US$ 168 bilhões), segundo a Financial Services Agency.
A fase abissal pela qual o Japão passou nos anos 1990 hoje é conhecida como "a década perdida". Embora sua economia esteja em situação melhor hoje, o mercado acionário japonês ainda não retornou ao pico anterior ao estouro da bolha. E o país ainda tem mais ou menos US$ 9 bilhões em bens mantidos como garantia e que precisam ser vendidos.
No entanto, parece pouco provável que os EUA tenham que esperar tanto tempo para se recuperarem, porque o governo está tomando a iniciativa de tentar resolver o caos financeiro muito mais rapidamente do que fez o Japão.
Os EUA estão se propondo a socorrer seus bancos 18 meses depois do pedido de concordata da New Century Financial, que concedia empréstimos de hipotecas. "Algumas medidas de resolução são mais eficazes que outras para restaurar a saúde do sistema bancário e conter os efeitos negativos sobre a economia real", concluiu o Fundo Monetário Internacional num estudo sobre 124 crises financeiras desde 1970. "Parece que a rapidez da reação é essencial."
Mesmo que o governo americano esteja agindo em tempo hábil para fazer uma diferença, o êxito de sua iniciativa provavelmente vai depender de sua capacidade de calcular o preço justo a pagar por um misto exótico de investimentos avalizados por hipotecas e outros títulos que não são fáceis de avaliar. Se todas essas peças se encaixarem, os EUA poderão lucrar ou, pelo menos, minimizar seu prejuízo. Por outro lado, se o governo avaliar mal o valor dos ativos problemáticos ou se o mercado imobiliário habitacional permanecer estagnado, os prejuízos podem ser imensos.


Tradução de CLARA ALLAIN

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