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"Batalha apenas começou", diz Nogueira Batista
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Paulo Nogueira Batista Jr.,
colunista da Folha e representante do Brasil e de outros oito
países latino-americanos no
FMI (Fundo Monetário Internacional), foi um dos negociadores da reforma da instituição
em que trabalha para dar mais
cotas aos países emergentes e
em desenvolvimento, tirando-as do mundo rico.
Sobre a "guerra", ele disse à
Folha que, embora o resultado
tenha "sido bom" para o Brasil
e importante para o Bric, "a batalha apenas começou".
Nogueira Batista, feroz crítico do próprio Fundo e do que
chama de "turma da bufunfa",
em alusão ao pessoal dos mercados financeiros, faz uma leve
autocrítica: "A turma da bufunfa nem sempre erra", em alusão
ao que considera acerto da
Goldman Sachs em inventar a
sigla Bric (Brasil, Rússia, Índia
e China), parceiros de Nogueira
Batista na "batalha do FMI".
A seguir, os principais trechos da entrevista, feita por
e-mail.
FOLHA - A "batalha pelo FMI" foi o
grande impasse da cúpula do G20. A
forma como foi resolvida é satisfatória para o Brasil, mesmo não tendo sido alcançados os números propostos inicialmente pelo Bric?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. - O resultado foi bom para o Brasil e
importante para os Bric. Também fortaleceu o G20 como
instância negociadora. Acertou-se que na próxima revisão
de cotas do FMI, que deve ser
concluída até janeiro de 2011,
haverá uma transferência de
pelo menos cinco pontos percentuais em favor dos países
emergentes e em desenvolvimento. Se chegarmos a bom
termo nessa negociação, será a
maior transferência de poder
decisório na história do FMI. A
batalha apenas começou. Mas
começou bem para nós, com
um compromisso importante
no nível político mais alto.
FOLHA - A segunda grande decisão
da cúpula, confirmando o G20 como
o fórum para a discussão da economia global, não acaba deixando o
FMI em posição secundária? O G20
não tem nenhuma estrutura técnica-operacional, ao contrário do FMI.
Como você, com a sua experiência
de funcionário internacional, acha
que se poderia organizar o grupo
para uma atuação mais efetiva, que
vá além de um fórum de debates?
NOGUEIRA BATISTA - O G20 não é
mais apenas um fórum de debates. Transformou-se na principal instância para definir a
coordenação das políticas econômicas e a agenda de instituições multilaterais como o FMI.
Antes, esse papel era do G7.
Não é que o FMI tenha ficado
em posição secundária. É que
agora as linhas gerais da agenda
do Fundo são negociadas em
uma instância mais ampla do
que o G7, instância da qual o
Brasil e diversos outros países
em desenvolvimento fazem
parte. Desde o final do ano passado, o G20 ficou mais importante do que o G7. Na cúpula de
Pittsburgh, isso foi reconhecido formalmente pelos líderes
do G20. Como todos os membros do G7 fazem parte do G20,
a assinatura desse compromisso representa a passagem do
bastão. Mas não há dúvida de
que é preciso organizar melhor
o G20, estabelecer algumas regras e procedimentos que protejam os participantes contra
manobras e manipulações.
FOLHA - Que papel devem ter ou
estão tendo os Bric nesse rearranjo?
NOGUEIRA BATISTA - Os Bric têm
tido um papel cada vez mais
importante. Por exemplo, em
Pittsburgh, o acordo na parte
do FMI só saiu porque os Bric
atuaram em conjunto, antes e
durante a reunião. A resistência europeia era feroz. No final
da noite de quarta-feira, antevéspera da cúpula, o impasse
era total. Na manhã de quinta,
em vez de retomar a plenária
dos 20 membros (mais convidados), os EUA propuseram
um formato diferente. Ficamos
então os Bric numa sala e os europeus em outra. E os delegados americanos ficavam indo
de uma sala a outra, tentando
mediar um acordo. Os demais
países esperando. Isso durou
mais ou menos seis horas. Seis
horas para um parágrafo. Parece kafkiano, mas era talvez o
parágrafo mais importante da
declaração. Era um dos pontos
que provavelmente definiriam
o fracasso ou o sucesso da Cúpula de Pittsburgh.
FOLHA - Por falar em Bric, não é paradoxal que você, crítico contumaz
do que chama de "turma da bufunfa", tenha se entusiasmado com um
grupo que só existe porque foi inventado por um ícone da "turma da
bufunfa", a Goldman Sachs?
NOGUEIRA BATISTA - Sim, é paradoxal. Diria que a "turma da bufunfa" nem sempre erra. O economista da Goldman Sachs que
lançou a sigla percebeu algo importante: Brasil, Rússia, Índia e
China, apesar de todas as diferenças históricas, políticas e
culturais, têm traços comuns:
dimensão geográfica, econômica e populacional. Seu peso
econômico e político está aumentando rapidamente. Os
Bric são os países de mercado
emergente que se mostram capazes de atuar de forma independente. Quando se unem, a
alavanca é poderosa. Foi o que
vimos em Pittsburgh.
FOLHA - Você foi apresentado ao
FMI, pelo ministro Guido Mantega,
como "o maior crítico da instituição". Continua crítico, amansou as
feras ou foi domesticado por elas?
NOGUEIRA BATISTA - O ministro
Mantega disse ao então diretor-gerente do FMI, Rodrigo de
Rato: "O que estão dizendo na
imprensa brasileira sobre o
Paulo não é verdade. É muito
pior". Continuo crítico. O FMI
começou a mudar com a crise
mundial, com a gestão do Dominique Strauss-Kahn [atual
diretor-gerente] e com a pressão dos Bric e de outros países
em desenvolvimento. Mas ainda falta muito para que o Fundo seja uma instituição legítima, aceita no mundo inteiro.
Amansar as feras vai além da
minha capacidade. Mas não
creio que estejam conseguindo
me domesticar. De qualquer
maneira, para o brasileiro, apesar do progresso que fizemos, a
luta contra o complexo de vira-lata é uma luta quase diária.
FOLHA - Quais são as chances de
haver realmente um reequilíbrio na
economia global, o tema de que se
ocupará doravante o G20? É realmente necessário? E o Brasil, como
entra nele?
NOGUEIRA BATISTA - Em Pittsburgh, foi lançado, por proposta dos Estados Unidos, um modelo de consultas multilaterais
em nível ministerial do G20 a
ser alimentado por análises do
FMI. Veremos se será útil e
bem conduzido. A discussão de
como isso funcionará está apenas começando. A própria maneira como o Fundo participará terá de ser discutida na diretoria executiva da instituição.
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