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OPINIÃO ECONÔMICA
Fale de Deus, papai!
BENJAMIN STEINBRUCH
Tenha ou não votado em Lula, é preciso respeitar esse
nordestino nascido no agreste de
Pernambuco, que chegou a São
Paulo com a mãe em um pau-de-arara, aos sete anos, foi vendedor
de amendoins, engraxate, office-boy, torneiro mecânico e sindicalista. Com toda sinceridade, seria
impossível escolher entre as lideranças nacionais alguém que tivesse vivido na pele mais intensamente do que ele o drama da desigualdade brasileira, que todos
os homens de bem do país querem
combater.
Não é nada fácil percorrer o caminho seguido por Lula em 50
anos, que começa como retirante
fugindo da fome e termina na
Presidência da República. Não é
nada fácil criar um partido totalmente estranho à estrutura política brasileira e em 22 anos chegar
com ele ao Palácio do Planalto.
Sua trajetória de vida deve servir
de exemplo e de estímulo a todos
aqueles que enfrentam dificuldades e provações, para que jamais
percam a esperança.
Lula tem direito de comemorar
seus 52 milhões de votos com vinho francês, uísque escocês ou cachaça brasileira, o que bem entender. Ele não é produto de uma
zebra eleitoral. Lula é o fruto de
um trabalho político que começou sectário e, aos poucos, adquiriu as virtudes da tolerância e do
diálogo.
Daqui a poucos dias, porém,
Lula e o PT vão se dar conta de
que todo o árduo caminho até
agora percorrido foi a parte mais
fácil da caminhada. Começa agora um duro trabalho de costura
política em busca da governabilidade.
Talvez tenha sido providencial
a realização do segundo turno. Isso obrigou o PT a buscar novas
alianças políticas, a aceitar
apoios impensáveis até poucos
anos atrás e a abrir ainda mais as
portas do partido a novos colaboradores.
Chegou a hora de Lula e do PT
mostrarem na prática que estão
maduros e livres das amarras do
radicalismo das origens. Terá de
ser um tempo de diálogo com políticos e com grupos sociais para
pôr na rua promessas de campanha, sem medidas exóticas e sem
loucuras heterodoxas. Será o momento de provar que o programa
partidário não era peça de ficção
montada para a campanha eleitoral.
Já escrevi aqui e escrevo de novo: o maior sonho do brasileiro é
o emprego. Lula prometeu crescimento econômico. Tendo origem
no movimento trabalhista, deve
ter a percepção de quão importante é o cumprimento dessa promessa. Terá então de, obstinadamente, defender mudanças: viabilizar as reformas que o presidente Fernando Henrique não
conseguiu fazer, buscar a redução
dos juros, financiar os setores
competitivos da empresa nacional, brigar para abrir mercados
protecionistas às exportações brasileiras, incentivar a construção
de habitações, financiar a produção agrícola e a agroindústria.
Às elites brasileiras cabe entender as mensagens transmitidas
pelas urnas e que deixam sobre os
ombros de Lula uma longa lista
de encargos. Além de promover o
crescimento e o emprego, ele precisará de ações emergenciais para
duas tarefas: amparar aqueles
que passam fome e vivem na pobreza absoluta; e enfrentar o problema da criminalidade e da insegurança nos centros urbanos.
Ao fazer seu juramento de posse, em 1º de janeiro, Lula estará
indiretamente assumindo todos
esses compromissos. Todos nós,
tenhamos ou não votado nele, temos a obrigação cívica de estar à
disposição do novo governo para
ajudar na tarefa de bem governar.
Tenho o costume de levar meus
filhos a viagens curtas de negócios, como meu pai fazia comigo.
Um de cada vez, a partir de três
anos, ainda de fraldas, Victoria,
Felipe e Alessandra já viajaram
comigo sem mais ninguém. Só falta o caçula Mendel. Participam
das reuniões com presidentes, ministros e banqueiros, ficam comigo todo o tempo, e isso faz um
bem danado a mim e a eles.
Quem já experimentou pode dizer. No começo, meus amigos
achavam muito esquisito que eu
viajasse sozinho com filhos pequenos. Agora, muitos já fazem a
mesma coisa. Aconteceram coisas
extraordinárias nestas viagens;
numa delas, Felipe, com três anos,
assistia sozinho a uma entrevista
coletiva de imprensa em Recife,
sentadinho numa cadeira na minha frente. Quando a coletiva estava para acabar, ele se levantou,
veio até onde eu estava e sussurrou no meu ouvido: fale de Deus,
fale de Deus, papai! Encerrei a entrevista agradecendo muito a
Deus.
Lula vive o melhor momento de
sua carreira. Estou certo de que
não entrará numa missão impossível se tiver coragem e fé. Nos Estados Unidos, o juramento de
posse do presidente da República
é muito simples. Tem apenas 35
palavras, com as quais o eleito
promete fazer o melhor de si para
preservar, proteger e defender a
Constituição. Em 1789, ao fazer
seu juramento, o general George
Washington acrescentou outras
quatro palavras no fim do texto:
"So help me God" (Que Deus me
ajude). De lá para cá, todos os
presidentes americanos fazem o
mesmo. Eis uma boa tradição
americana que Lula poderia copiar sem receios. Que Deus o proteja, amigo, e o abençoe. E a nós
também.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail -
bvictoria@psi.com.br
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