São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Fale de Deus, papai!

BENJAMIN STEINBRUCH

Tenha ou não votado em Lula, é preciso respeitar esse nordestino nascido no agreste de Pernambuco, que chegou a São Paulo com a mãe em um pau-de-arara, aos sete anos, foi vendedor de amendoins, engraxate, office-boy, torneiro mecânico e sindicalista. Com toda sinceridade, seria impossível escolher entre as lideranças nacionais alguém que tivesse vivido na pele mais intensamente do que ele o drama da desigualdade brasileira, que todos os homens de bem do país querem combater.
Não é nada fácil percorrer o caminho seguido por Lula em 50 anos, que começa como retirante fugindo da fome e termina na Presidência da República. Não é nada fácil criar um partido totalmente estranho à estrutura política brasileira e em 22 anos chegar com ele ao Palácio do Planalto. Sua trajetória de vida deve servir de exemplo e de estímulo a todos aqueles que enfrentam dificuldades e provações, para que jamais percam a esperança.
Lula tem direito de comemorar seus 52 milhões de votos com vinho francês, uísque escocês ou cachaça brasileira, o que bem entender. Ele não é produto de uma zebra eleitoral. Lula é o fruto de um trabalho político que começou sectário e, aos poucos, adquiriu as virtudes da tolerância e do diálogo.
Daqui a poucos dias, porém, Lula e o PT vão se dar conta de que todo o árduo caminho até agora percorrido foi a parte mais fácil da caminhada. Começa agora um duro trabalho de costura política em busca da governabilidade.
Talvez tenha sido providencial a realização do segundo turno. Isso obrigou o PT a buscar novas alianças políticas, a aceitar apoios impensáveis até poucos anos atrás e a abrir ainda mais as portas do partido a novos colaboradores.
Chegou a hora de Lula e do PT mostrarem na prática que estão maduros e livres das amarras do radicalismo das origens. Terá de ser um tempo de diálogo com políticos e com grupos sociais para pôr na rua promessas de campanha, sem medidas exóticas e sem loucuras heterodoxas. Será o momento de provar que o programa partidário não era peça de ficção montada para a campanha eleitoral.
Já escrevi aqui e escrevo de novo: o maior sonho do brasileiro é o emprego. Lula prometeu crescimento econômico. Tendo origem no movimento trabalhista, deve ter a percepção de quão importante é o cumprimento dessa promessa. Terá então de, obstinadamente, defender mudanças: viabilizar as reformas que o presidente Fernando Henrique não conseguiu fazer, buscar a redução dos juros, financiar os setores competitivos da empresa nacional, brigar para abrir mercados protecionistas às exportações brasileiras, incentivar a construção de habitações, financiar a produção agrícola e a agroindústria.
Às elites brasileiras cabe entender as mensagens transmitidas pelas urnas e que deixam sobre os ombros de Lula uma longa lista de encargos. Além de promover o crescimento e o emprego, ele precisará de ações emergenciais para duas tarefas: amparar aqueles que passam fome e vivem na pobreza absoluta; e enfrentar o problema da criminalidade e da insegurança nos centros urbanos.
Ao fazer seu juramento de posse, em 1º de janeiro, Lula estará indiretamente assumindo todos esses compromissos. Todos nós, tenhamos ou não votado nele, temos a obrigação cívica de estar à disposição do novo governo para ajudar na tarefa de bem governar.
Tenho o costume de levar meus filhos a viagens curtas de negócios, como meu pai fazia comigo. Um de cada vez, a partir de três anos, ainda de fraldas, Victoria, Felipe e Alessandra já viajaram comigo sem mais ninguém. Só falta o caçula Mendel. Participam das reuniões com presidentes, ministros e banqueiros, ficam comigo todo o tempo, e isso faz um bem danado a mim e a eles. Quem já experimentou pode dizer. No começo, meus amigos achavam muito esquisito que eu viajasse sozinho com filhos pequenos. Agora, muitos já fazem a mesma coisa. Aconteceram coisas extraordinárias nestas viagens; numa delas, Felipe, com três anos, assistia sozinho a uma entrevista coletiva de imprensa em Recife, sentadinho numa cadeira na minha frente. Quando a coletiva estava para acabar, ele se levantou, veio até onde eu estava e sussurrou no meu ouvido: fale de Deus, fale de Deus, papai! Encerrei a entrevista agradecendo muito a Deus.
Lula vive o melhor momento de sua carreira. Estou certo de que não entrará numa missão impossível se tiver coragem e fé. Nos Estados Unidos, o juramento de posse do presidente da República é muito simples. Tem apenas 35 palavras, com as quais o eleito promete fazer o melhor de si para preservar, proteger e defender a Constituição. Em 1789, ao fazer seu juramento, o general George Washington acrescentou outras quatro palavras no fim do texto: "So help me God" (Que Deus me ajude). De lá para cá, todos os presidentes americanos fazem o mesmo. Eis uma boa tradição americana que Lula poderia copiar sem receios. Que Deus o proteja, amigo, e o abençoe. E a nós também.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

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bvictoria@psi.com.br


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