São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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LUÍS NASSIF

A engenharia financeira e a social

O governo Lula tem dois desafios a superar: não ceder ao populismo fácil e não se render à ortodoxia fácil. Ambas as atitudes seriam fatais para seu governo e o país. Seu governo poderá se perder pela imprudência ou pelo excesso de prudência.
O pior erro que poderia cometer seria tratar de velhos problemas com velhas soluções, porque a conta não fecha. Reforma tributária, desonerando as exportações, reforma da Previdência (sem atropelar direitos adquiridos), desoneração da folha são objetivos conflitantes.
Um dos grandes erros dos últimos 20 anos foi tentar tratar desses problemas de forma linear, recorrendo ao manualzinho de macroeconomia. Todo modelo de equilíbrio macroeconômico se resumia a lances cambiais, a aumento de tributação, política de juros.
Não havia ainda consenso sobre novas idéias, nem sequer havia novas idéias, maiorias políticas consistentes. Assim, a política econômica era feita à base de trancos, de pacotes que criavam uma legitimação passageira, por se apresentarem como alternativa ao caos -ainda que na maioria dos casos agravasse ainda mais a situação nacional.
Nestes 20 anos, particularmente nos últimos dez, avançaram novas formas de conhecimento, maneiras de abordar velhos problemas. Uma das principais é a questão da gestão, de trabalhar com indicadores e planejamento estratégico sobre a qual venho escrevendo reiteradamente.
Outra são as modernas engenharias financeiras em torno de ativos e passivos públicos. Aí se trata de uma ciência mais complexa, mais hermética, mas com potencialidades incríveis.
O Brasil tem passivos reais e potenciais enormes, dos quais o maior é o déficit da Previdência.
Na contabilidade do Estado brasileiro, há ativos e passivos. Em geral se consideram ativos as estatais, mais patrimônio tipo terras, imóveis, fluxos de receitas futuras etc. No passivo, há as dívidas do Estado com credores privados internos e externos e as dívidas cruzadas entre si, com estoque ou fluxo definido -todas devidamente documentadas e acertadas na última renegociação das dívidas estaduais.
Pode-se contrapor uma à outra e proceder a um encontro de contas eventual. Mas a ciência financeira tem outros detalhes pouco perceptíveis a quem não mexe sistematicamente com números.
Os ativos e passivos não podem ser vistos de forma estática. Um fluxo de caixa futuro é um ativo que pode ser descontado antecipadamente. Uma estatal é um ativo cujo valor vai depender basicamente da taxa interna de retorno esperada. Suponha um fluxo de US$ 10 milhões/ano. Por dez anos, a uma taxa de retorno de 20% ao ano, valerá US$ 42 milhões. Se a taxa de desconto cair para 10% ao ano, o valor do fluxo sobe para US$ 61 milhões.
Há hoje um país barato, em razão da depreciação do real e da alta do risco Brasil. A crise provocou deságios nas dívidas brasileiras e depreciação no valor dos ativos internos. Hoje há ativos que valem 10, mas que em uma situação de normalidade econômica, de reclassificação do risco-país, podem valer 50.
Dentro da lógica do mercado internacional e das firmas de avaliação, a reclassificação brasileira pode depender, em muitos casos, de meros acertos contábeis. É aí que uma eventual renegociação da dívida da União com Estados pode dar margem a uma engenharia financeira criativa, que abra espaço para o início da solução das dívidas estaduais (inclusive com seu fundo de previdência) e da própria Previdência Social.
O tema é complexo, mas vale a pena ser estudado. Fica aí a dica para a assessoria econômica de Lula: poderá ser por aí a grande saída do governo Lula, de promover um pacto social dos mais relevantes e, ao mesmo tempo, acertar fundamentos econômicos do país.

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