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LUÍS NASSIF
A engenharia financeira e a social
O governo Lula tem dois
desafios a superar: não ceder ao populismo fácil e não se
render à ortodoxia fácil. Ambas
as atitudes seriam fatais para
seu governo e o país. Seu governo
poderá se perder pela imprudência ou pelo excesso de prudência.
O pior erro que poderia cometer seria tratar de velhos problemas com velhas soluções, porque
a conta não fecha. Reforma tributária, desonerando as exportações, reforma da Previdência
(sem atropelar direitos adquiridos), desoneração da folha são
objetivos conflitantes.
Um dos grandes erros dos últimos 20 anos foi tentar tratar desses problemas de forma linear,
recorrendo ao manualzinho de
macroeconomia. Todo modelo
de equilíbrio macroeconômico se
resumia a lances cambiais, a aumento de tributação, política de
juros.
Não havia ainda consenso sobre novas idéias, nem sequer havia novas idéias, maiorias políticas consistentes. Assim, a política
econômica era feita à base de
trancos, de pacotes que criavam
uma legitimação passageira, por
se apresentarem como alternativa ao caos -ainda que na
maioria dos casos agravasse ainda mais a situação nacional.
Nestes 20 anos, particularmente nos últimos dez, avançaram
novas formas de conhecimento,
maneiras de abordar velhos problemas. Uma das principais é a
questão da gestão, de trabalhar
com indicadores e planejamento
estratégico sobre a qual venho
escrevendo reiteradamente.
Outra são as modernas engenharias financeiras em torno de
ativos e passivos públicos. Aí se
trata de uma ciência mais complexa, mais hermética, mas com
potencialidades incríveis.
O Brasil tem passivos reais e
potenciais enormes, dos quais o
maior é o déficit da Previdência.
Na contabilidade do Estado
brasileiro, há ativos e passivos.
Em geral se consideram ativos as
estatais, mais patrimônio tipo
terras, imóveis, fluxos de receitas
futuras etc. No passivo, há as dívidas do Estado com credores
privados internos e externos e as
dívidas cruzadas entre si, com estoque ou fluxo definido -todas
devidamente documentadas e
acertadas na última renegociação das dívidas estaduais.
Pode-se contrapor uma à outra e proceder a um encontro de
contas eventual. Mas a ciência financeira tem outros detalhes
pouco perceptíveis a quem não
mexe sistematicamente com números.
Os ativos e passivos não podem
ser vistos de forma estática. Um
fluxo de caixa futuro é um ativo
que pode ser descontado antecipadamente. Uma estatal é um
ativo cujo valor vai depender basicamente da taxa interna de retorno esperada. Suponha um fluxo de US$ 10 milhões/ano. Por
dez anos, a uma taxa de retorno
de 20% ao ano, valerá US$ 42
milhões. Se a taxa de desconto
cair para 10% ao ano, o valor do
fluxo sobe para US$ 61 milhões.
Há hoje um país barato, em
razão da depreciação do real e
da alta do risco Brasil. A crise
provocou deságios nas dívidas
brasileiras e depreciação no valor dos ativos internos. Hoje há
ativos que valem 10, mas que em
uma situação de normalidade
econômica, de reclassificação do
risco-país, podem valer 50.
Dentro da lógica do mercado
internacional e das firmas de
avaliação, a reclassificação brasileira pode depender, em muitos casos, de meros acertos contábeis. É aí que uma eventual
renegociação da dívida da
União com Estados pode dar
margem a uma engenharia financeira criativa, que abra espaço para o início da solução
das dívidas estaduais (inclusive
com seu fundo de previdência) e
da própria Previdência Social.
O tema é complexo, mas vale a
pena ser estudado. Fica aí a dica
para a assessoria econômica de
Lula: poderá ser por aí a grande
saída do governo Lula, de promover um pacto social dos mais
relevantes e, ao mesmo tempo,
acertar fundamentos econômicos do país.
E-mail -
LNassif@uol.com.br
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