São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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AGENDA DA TRANSIÇÃO

Dia 1º, Brasil e EUA assumem a presidência conjunta do processo negociador da zona de livre comércio

Alca põe Lula e Bush como "companheiros"

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Os Estados Unidos, do ultraconservador George Walker Bush, e o Brasil, que será comandado a partir de 2003 pelo esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva, assumem na sexta-feira, dia 1º, a presidência conjunta do processo negociador da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Nessa circunstância, colidirão de frente ou cooperarão para construir, até o fim de 2005, uma portentosa zona de livre comércio envolvendo 34 países (só Cuba fica de fora), 800 milhões de habitantes, uma produção econômica conjunta de US$ 11 trilhões e um volume de comércio de US$ 3,4 trilhões. Só os números mais macro bastam para acentuar a importância das discussões que se darão a partir da reunião ministerial de sexta-feira em Quito, a capital equatoriana.
Mas a torná-las ainda mais vitais está o fato de que a agenda da Alca é também a agenda de duas outras grandes negociações comerciais em que o Brasil está envolvido -todas elas previstas para se acelerarem e concluírem no período de governo de Lula.
A convivência entre o Brasil de Fernando Henrique Cardoso e os EUA de Bush já não vinha sendo fácil. No seu discurso mais enfático sobre a Alca, em abril de 2001 em Québec, durante a 3ª Cúpula das Américas, FHC listou as condições para que a Alca não se tornasse "irrelevante ou, na pior das hipóteses, indesejável".
São elas: acesso aos mercados mais dinâmicos (leia-se: EUA e Canadá), "regras compartilhadas sobre antidumping"; reduzir as barreiras não-tarifárias; evitar distorções protecionistas de regras sanitárias; não usar a legislação de propriedade intelectual para inibir o desenvolvimento tecnológico dos países emergentes; reduzir ou eliminar o protecionismo agrícola.
De Québec para Quito, a agenda brasileira não mudou de tamanho nem de enfoque, até porque os Estados Unidos tampouco mudaram as suas posições.
Ao contrário, aprovaram uma lei agrícola que aumenta o protecionismo, adotaram barreiras ao aço brasileiro e o Congresso aprovou uma restritiva TPA (Autoridade para Negociação Comercial). Pior: nos encontros prévios à reunião de Quito, os EUA demonstraram preferir negociações país a país (no máximo, com blocos de países, como os andinos).
O governo brasileiro é contra. Acha que fatiar a negociação torna mais difícil para cada parceiro norte-americano resistir à pressão da única superpotência remanescente no planeta.
Os EUA fixaram também como objetivo para Quito extrair "cronogramas firmes (de reuniões), nos próximos meses, não anos, para negociações destinadas a abrir mercados para cada participante", diz Robert Zoellick, seu negociador-chefe.
O Brasil resiste à pressa. "A frequência de reuniões não pode ser tanta como querem os americanos. Devemos trabalhar com determinação, mas dentro de um ritmo adequado", responde o embaixador Clodoaldo Hugueney, o negociador-chefe brasileiro.
Na área agrícola, que é o nó principal a ser desatado se se quiser chegar à Alca, as divergências permanecem enormes.
Hugueney admite que a proposta dos EUA é "ambiciosa". De fato, ela prevê a eliminação de todos os subsídios à exportação de produtos agrícolas, corta US$ 100 bilhões dos subsídios que os diferentes países dão à produção doméstica e reduz tarifas de importação do setor em 75%.
Tudo somado, a reunião de Quito dificilmente produzirá grandes avanços, além de formalizar a co-presidência conjunta Brasil/Estados Unidos, que durará até o final do processo.
Como decorrência, as duas próximas reuniões ministeriais (instância máxima da negociação) ficarão para Miami, em 2003, e para o Brasil, em 2004.
Será nelas, e não em Quito, que se verá se Bush e Lula poderão se tratar ou não de "companheiros" como o presidente eleito do Brasil já o fez, brincando, com seu futuro colega norte-americano.



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