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AGENDA DA TRANSIÇÃO
Dia 1º, Brasil e EUA assumem a presidência conjunta do processo negociador da zona de livre comércio
Alca põe Lula e Bush como "companheiros"
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Os Estados Unidos, do ultraconservador George Walker
Bush, e o Brasil, que será comandado a partir de 2003 pelo esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva, assumem na sexta-feira, dia 1º, a
presidência conjunta do processo
negociador da Alca (Área de Livre
Comércio das Américas).
Nessa circunstância, colidirão
de frente ou cooperarão para
construir, até o fim de 2005, uma
portentosa zona de livre comércio
envolvendo 34 países (só Cuba fica de fora), 800 milhões de habitantes, uma produção econômica
conjunta de US$ 11 trilhões e um
volume de comércio de US$ 3,4
trilhões. Só os números mais macro bastam para acentuar a importância das discussões que se
darão a partir da reunião ministerial de sexta-feira em Quito, a capital equatoriana.
Mas a torná-las ainda mais vitais está o fato de que a agenda da
Alca é também a agenda de duas
outras grandes negociações comerciais em que o Brasil está envolvido -todas elas previstas para se acelerarem e concluírem no
período de governo de Lula.
A convivência entre o Brasil de
Fernando Henrique Cardoso e os
EUA de Bush já não vinha sendo
fácil. No seu discurso mais enfático sobre a Alca, em abril de 2001
em Québec, durante a 3ª Cúpula
das Américas, FHC listou as condições para que a Alca não se tornasse "irrelevante ou, na pior das
hipóteses, indesejável".
São elas: acesso aos mercados
mais dinâmicos (leia-se: EUA e
Canadá), "regras compartilhadas
sobre antidumping"; reduzir as
barreiras não-tarifárias; evitar
distorções protecionistas de regras sanitárias; não usar a legislação de propriedade intelectual para inibir o desenvolvimento tecnológico dos países emergentes;
reduzir ou eliminar o protecionismo agrícola.
De Québec para Quito, a agenda
brasileira não mudou de tamanho
nem de enfoque, até porque os
Estados Unidos tampouco mudaram as suas posições.
Ao contrário, aprovaram uma
lei agrícola que aumenta o protecionismo, adotaram barreiras ao
aço brasileiro e o Congresso aprovou uma restritiva TPA (Autoridade para Negociação Comercial). Pior: nos encontros prévios
à reunião de Quito, os EUA demonstraram preferir negociações
país a país (no máximo, com blocos de países, como os andinos).
O governo brasileiro é contra.
Acha que fatiar a negociação torna mais difícil para cada parceiro
norte-americano resistir à pressão da única superpotência remanescente no planeta.
Os EUA fixaram também como
objetivo para Quito extrair "cronogramas firmes (de reuniões),
nos próximos meses, não anos,
para negociações destinadas a
abrir mercados para cada participante", diz Robert Zoellick, seu
negociador-chefe.
O Brasil resiste à pressa. "A frequência de reuniões não pode ser
tanta como querem os americanos. Devemos trabalhar com determinação, mas dentro de um
ritmo adequado", responde o embaixador Clodoaldo Hugueney, o
negociador-chefe brasileiro.
Na área agrícola, que é o nó
principal a ser desatado se se quiser chegar à Alca, as divergências
permanecem enormes.
Hugueney admite que a proposta dos EUA é "ambiciosa". De
fato, ela prevê a eliminação de todos os subsídios à exportação de
produtos agrícolas, corta US$ 100
bilhões dos subsídios que os diferentes países dão à produção doméstica e reduz tarifas de importação do setor em 75%.
Tudo somado, a reunião de
Quito dificilmente produzirá
grandes avanços, além de formalizar a co-presidência conjunta
Brasil/Estados Unidos, que durará até o final do processo.
Como decorrência, as duas próximas reuniões ministeriais (instância máxima da negociação) ficarão para Miami, em 2003, e para
o Brasil, em 2004.
Será nelas, e não em Quito, que
se verá se Bush e Lula poderão se
tratar ou não de "companheiros"
como o presidente eleito do Brasil
já o fez, brincando, com seu futuro colega norte-americano.
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