São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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Com petista, negociação pode ser menos dura

DO COLUNISTA DA FOLHA

Se com Fernando Henrique Cardoso a negociação na Alca já era complicada, com Lula presidente será mais ainda?
Não necessariamente.
Primeiro: Lula já instruiu seus companheiros de partido para que retirem o conteúdo ideológico "artificial" das negociações. Quer, sim, que sejam duros nas questões técnicas.
Posto de outra forma: a idéia de que a Alca é um processo de "anexação" do Brasil pelos Estados Unidos, bandeira mais ideológica do que técnica, pode começar a resvalar para o baú de recordações da campanha eleitoral.
Segundo: o senador eleito Aloizio Mercadante, secretário de Relações Internacionais do PT e, portanto, voz mais importante do partido nessa área, diz que "um país que tem os problemas de contas externas como os do Brasil deveria estar dando mais atenção a um acordo bilateral com os Estados Unidos".
É um leve aceno na direção de abandonar, no governo petista, o Mercosul, que, até agora, negocia em bloco na Alca (e com a União Européia)?
"A premissa [de um governo do PT" é repactuar o Mercosul, para ver se temos mesmo uma plataforma comum", responde Mercadante. Traduzindo: é preciso saber se os três sócios do Brasil estão interessados em seguir unidos. Em caso contrário, o Brasil ficaria liberado para buscar seu próprio caminho na negociação com os Estados Unidos.
Nem o fato de Robert Zoellick ter dito, em alusão à resistência de Lula à Alca, que o Brasil teria que escolher entre a Alca e vender seus produtos na Antártida (onde não há mercado), quebrou a fase "paz e amor" que o candidato petista impôs à sua campanha.
É claro que, na análise interna feita pelo partido, a fala de Zoellick foi classificada de "arrogante". Mas o interesse maior, como é igualmente óbvio, é vender nos EUA -não na Antártida.
"O volume de comércio entre Brasil e Estados Unidos é de mais ou menos US$ 30 bilhões [por ano", quando poderia chegar facilmente a US$ 100 bilhões", calcula Mercadante.

Novas condições
De todo modo, nem tudo é "paz e amor". O PT endossa as condições expostas por FHC em Québec (Mercadante estava presente durante o discurso e o aplaudiu), mas quer "alterar as condições de negociação, muito adversas".
Introduz, por exemplo, uma questão que jamais figurou na pauta: fundos de compensação para os países pobres (mecanismo que a UE adotou para reduzir distâncias entre seus membros mais ricos e os mais pobres, sob o nome de fundos estruturais).
Por fim, o PT vai ficar agora na delicada situação de estar ao mesmo tempo dentro das salas de negociação e nos protestos que habitualmente ocorrem fora delas.
Em Quito, por exemplo, a chamada Aliança Social Hemisférica, uma coalizão de entidades da sociedade civil, programou 57 atividades para discutir o tema "Outra América é possível".
É a regionalização do grito "Outro Mundo é possível", que se tornou o eixo do Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre e do qual o PT é um dos principais articuladores. (CR)



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