São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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ANÁLISE

Episódio revela contradições da política econômica de Lula

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A instituição mais poderosa do Poder Executivo entrou em conflito com a maior empresa do país. Tanto o Banco Central como a Petrobras são subordinados ao governo, mas proclamam ter autonomia -e, agora, ambos põem em xeque a autonomia do oponente e trazem à tona contradições da política econômica de Luiz Inácio Lula da Silva.
Na ata do Copom divulgada ontem, o BC, quase explicitamente, repreendeu o governo por atrasar o reajuste da gasolina neste ano eleitoral. Pelo discurso oficial, a monopolista Petrobras decide sozinha seus preços, com base nos preços internacionais e na taxa de câmbio, sem dar atenção às conveniências políticas.
Foi uma espécie de resposta às críticas, explícitas e veladas, aos aumentos da taxa de juros. O BC alega que, enquanto segue "indefinida" a decisão de um aumento de combustíveis que pode ser "postergado, mas não evitado", a tendência é o juro subir mais.
A justificativa apresentada diversas vezes pela Petrobras, de que é preciso aguardar a consolidação das cotações internacionais do petróleo antes de elevar os preços internos, não é levada muito a sério pelo BC. "Não só aumentaram as cotações correntes e esperadas para o curtíssimo prazo como ganhou força a perspectiva de que os preços se sustentem em patamares bastante elevados por um período mais longo", diz a ata.
E o BC nem sequer menciona o reajuste aplicado à gasolina no dia 14, de 4% nas refinarias, num sinal da relevância a ele atribuída.
Em seu contra-ataque, a Petrobras parece ir além da questão e avançar sobre o mérito da política do BC: "Esperamos que o Copom continue observando sua função precípua de monitoramento da política monetária e das taxas de juros, procurando aprimorar o modelo que vem sendo adotado, em benefício da economia do país". A empresa diz que o BC extrapola seus poderes ao divulgar suas projeções para a evolução dos preços dos combustíveis, "sugerindo haver um tabelamento de preços que não existe no país" -trata-se de um exagero explicável pela irritação com as críticas recebidas.
A discussão técnica só faz sentido se analisado o contexto político. O BC, presidido por um ex-banqueiro eleito deputado pelo PSDB, é um corpo estranho no governo Lula. Sua política de juros ortodoxa só é tolerada em razão da necessidade de acalmar o mercado e da inexistência de um plano alternativo.
O mal-estar foi reavivado neste segundo semestre, quando o BC, contrariando a retórica petista, entendeu que o atual ritmo de crescimento não é sustentável e precisa ser freado por aumentos de juros. A gota d'água foi listar entre os culpados a "autônoma" Petrobras, presidida pelo petista José Eduardo Dutra.


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