São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Piquenique na boca de um vulcão

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

As eleições presidenciais nos Estados Unidos estão provocando um intenso debate sobre os rumos da economia do país e, por conseqüência, da do resto do mundo, em 2005. A principal questão que está no ar é: o próximo presidente vai enfrentar seu já quase explosivo desequilíbrio externo ou vai tentar manter por mais tempo a ciranda financeira internacional que permite seu financiamento indolor?
Um dos maiores bancos de investimentos da Wall Street chamou recentemente os Estados Unidos de George W. Bush de "a maior economia emergente do planeta", por causa desse seu desequilíbrio externo! A imagem fica por conta dos imensos déficits em conta corrente das nações em desenvolvimento que marcaram, com crises cambiais sucessivas, as duas últimas décadas do século passado.
Mas a economia americana não é igual à de outros países que, ao atingir um déficit em suas transações com o resto do mundo superior a 5% do PIB, acabam sofrendo um ataque a sua moeda nacional e entram em colapso financeiro, como ocorreu com os tigres asiáticos, em 1997, com a Rússia, em 1998, o Brasil, em 1999, e a Argentina, no início deste novo século. O dólar é a moeda internacional dominante e, por essa razão, não pode ser comparado com o rublo russo, o peso mexicano ou o real brasileiro.
Mas existe um limite para essa verdadeira farra do boi que é a emissão de dólares pelos EUA para pagar as importações de bens de consumo e os juros devidos aos credores estrangeiros. Esses, empresas e bancos centrais, já detêm mais de 40% do PIB em ativos financeiros e ativos reais americanos. A continuar a farra do boi atual, esse valor pode chegar a 90% do PIB no fim desta década.
Para muitos, já chegamos a uma situação em que os mercados financeiros podem, a qualquer momento, passar a emitir sinais de desconfiança na moeda americana. Se isso acontecer, a reciclagem dos dólares excedentes em mãos dos exportadores estrangeiros e dos credores internacionais pode deixar de ser feita de maneira voluntária, como hoje, provocando uma explosão dos juros nos EUA e jogando a maior economia do planeta em profunda recessão. A última vez que isso ocorreu foi em 1929!
Por essa razão, uma das estatísticas que os investidores acompanham mensalmente, com o coração na boca, é o volume e a distribuição dos investimentos estrangeiros em papéis americanos. Afinal, a economia americana precisa de US$ 3 bilhões, por dia útil, para fechar suas contas todos os meses. Parte desses recursos, quase 40%, é hoje responsabilidade dos bancos centrais dos países que têm grandes saldos comerciais com os EUA, como o Japão, a China, a Rússia e os outros países exportadores de petróleo. Se ocorrer uma redução expressiva no volume de investimentos estrangeiros em títulos americanos, garanto a meus leitores, vamos ver o diabo dançando nos pregões das Bolsas americanas.
Aliás, isso já ocorreu em 1987, data da última grande crise de confiança no dólar e que obrigou as maiores economias do planeta a administrar um plano de salvamento da moeda americana (acordo do Trianon). O assustador é que naquele momento o déficit na conta corrente da balança de pagamentos americana era de 3,5% do PIB. Em fins de 2005, esse número deve lamber os 7% do PIB!
O ajuste necessário para tirar a economia americana da rota de colisão atual enfrenta dois obstáculos, um interno e outro externo, de grandes proporções. O interno, de natureza política, seria provocar uma recessão dura, durante pelo menos dois anos, em uma sociedade acostumada a níveis elevados de consumo e altamente endividada. O externo seria convencer as outras nações do mundo a aumentar seus níveis internos de consumo e reduzir o crescimento de suas economias. Voltarei a esses obstáculos em futuro próximo.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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