São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2006

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Queda de juros viria com redução de gastos

LEANDRA PERES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O núcleo desenvolvimentista do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já defende taxa de juros reais de 5% ao ano para turbinar o crescimento da economia num eventual segundo mandato. Mas o único caminho para conseguir baixar os juros sem travar uma queda-de- braço com o mercado financeiro será um forte compromisso do governo com o corte de gastos no ano que vem.
O governo já vem estudando propostas para conter os gastos. Um plano de ajuste de longo prazo que faça as despesas crescerem num ritmo mais lento que o PIB e uma fórmula de reajuste para o salário mínimo estão entre as opções analisadas. Mas a equipe econômica de um eventual segundo mandato do presidente Lula precisará de mais que promessas. Será preciso apresentar um programa consistente para convencer o mercado financeiro e o Banco Central, abrindo espaço para a queda nos juros.
De acordo com as projeções feitas pelo mercado financeiro, os juros reais devem chegar ao fim de 2007 entre 7% e 8% ao ano. Atualmente, essa taxa está em quase 9% ao ano. Nos dois casos, bem distante dos 5% anuais que defendem os desenvolvimentistas do governo.
A taxa de juros reais desconta da Selic fixada pelo BC a perda de poder da moeda, representada pela inflação, e, por isso, equivale ao custo efetivo do dinheiro na economia. Assim, quanto mais elevada a taxa, menor o crescimento.
"É o fiscal, o fiscal e o fiscal", diz o diretor-executivo do Banco Itaú, Sérgio Werlang, sobre o que pode acelerar a queda dos juros no ano que vem.
A importância que o mercado financeiro dá ao corte nos gastos correntes -que incluem pagamento de servidores, aposentados, pensionistas, programas sociais e funcionamento da máquina pública- é explicada pelo fato de que, ao aumentar suas despesas o governo é obrigado, de um lado, a manter a carga de impostos elevada para cobrar as despesas. Isso reduz a capacidade de consumo e investimento das pessoas e das empresas.
Além de recolher muito imposto, o governo não consegue cobrir todos os gastos e tem que tomar dinheiro emprestado no mercado, elevando os juros e reduzindo mais uma vez a oferta de crédito para consumo e investimento.
Na teoria, a taxa de juros serve para equilibrar a oferta e a demanda de bens e serviços e evitar altas de preços. Assim, quando o governo gasta, aumenta a demanda da economia.
Para compensar o impulso dado pelo lado dos gastos governamentais, o BC tem que manter os juros mais altos, contendo o consumo e os investimentos. Se o BC não faz isso, a inflação sobe.
Na visão dos economistas do mercado, portanto, o aumento de gastos que a União vem promovendo desde o ano passado é, na verdade, uma armadilha que freia o crescimento.
De um lado, o governo ocupa o espaço que deveria ser do investimento. Com isso, compromete a capacidade de expansão da oferta na economia e, portanto, o crescimento futuro.
"A alta taxa de juros reais no Brasil tem a ver com a capacidade de produção da economia. Se o governo abrir espaço para o investimento, a capacidade produtiva vai aumentar e o BC poderá cortar juros sem tanto receio", diz o economista-chefe do banco Santander Banespa, André Loes.
Há ainda o agravante da credibilidade. É que o aumento de gastos no último ano esteve concentrado em despesas que não podem ser reduzidas no futuro, como o pagamento de aposentadorias. Assim, apesar de ainda não vislumbrarem riscos para cumprir a meta de superávit primário de 2007, o mercado desconfia da capacidade do governo de continuar o ajuste fiscal nos próximos anos.
"Não adianta fazer uma promessa, porque promessas não foram cumpridas. O governo tem que mostrar que está realmente comprometido com um corte de despesas para que a taxa de juros reais possa cair mais rapidamente", explica o economista Caio Megale, da Mauá Investimentos.
O BC também reconhece o estrago que a elevação dos gastos públicos tem na política monetária, embora o faça de maneira um tanto indireta. Como o responsável pela liberação do dinheiro é o Ministério da Fazenda, o BC não critica abertamente a política fiscal para não abrir uma guerra dentro da equipe econômica.
Mas não deixa de registrar nas atas do Copom os "impulsos fiscais" dados pelo aumento do salário mínimo e pelos reajustes ao funcionalismo.


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