São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2006

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LUCIANO COUTINHO

Reformar para investir


Será preciso gerar bases domésticas para sustentação de crescimento mais rápido, com fulcro no investimento


A ECONOMIA brasileira pode acelerar o crescimento se houver lucidez e entendimento político para realizar reformas fiscais que robusteçam a capacidade nacional de poupar e investir.
O aumento da formação de capital (de 20% do PIB para cerca de 25%) é essencial para criar nova capacidade de oferta que assegure sustentação não-inflacionária ao crescimento mais rápido da demanda.
As reformas necessárias não são fáceis, pois trata-se de conter a forte expansão dos gastos correntes e, especialmente, dos benefícios previdenciários. Será necessária uma discussão pública fundamentada e transparente para gerar um projeto de reforma justo e razoável.
A viabilidade dessas reformas decerto será maior num contexto mundial favorável ao nosso crescimento econômico, pois a expansão mais rápida do emprego e da renda facilitam a absorção dos sacrifícios impostos pela contenção fiscal.
Põe-se a questão: será que a evolução da economia mundial será adversa ou ainda persistirá favorável? O significativo esfriamento da construção imobiliária nos Estados Unidos nos últimos meses já desacelerou o crescimento do PIB e tende a incidir sobre o crescimento global, afetando desfavoravelmente o comércio internacional.
Uma pergunta-chave é esta: até que ponto as economias asiáticas poderão continuar crescendo independentemente dos EUA? Considerando a importância do mercado dos EUA para as exportações asiáticas (cerca de 25% do total), é difícil imaginar que a desaceleração americana não se reflita sobre a região.
Para que o bloco asiático continue crescendo a taxas expressivas, a demanda doméstica teria de se acelerar compensatoriamente e o comércio intra-asiático deveria se estreitar mais. Essa possibilidade não pode ser inteiramente descartada, particularmente no caso da China. O Estado chinês possui alavancas de controle sobre o investimento das estatais e sobre as condições de crédito e pode influenciar o ritmo da construção civil. Novas fronteiras de acumulação de capital voltadas para o desenvolvimento interno poderiam ser acionadas. Uma questão crítica para os outros países asiáticos é até que ponto os bens exportados para os Estados Unidos poderiam ser realocados para o consumo doméstico, minimizando os impactos sobre os negócios de exportação.
Dados recentes indicam aceleração dos gastos de consumo na China, na Coréia do Sul, na Índia e até no Japão. O "descasamento" do crescimento asiático vis-à-vis os Estados Unidos depende, então, da continuidade desse boom de consumo na Ásia. Este teria de ser facilitado pela política de crédito e suplementado por mais gastos públicos.
No que toca à União Européia, é pouco plausível esperar por uma "contribuição compensatória" para o crescimento mundial. Em resumo, é possível que o bom desempenho da Ásia possa mitigar em alguma medida a provável desaceleração mundial em 2007/8. No caso do Brasil, será preciso gerar bases domésticas para sustentação de crescimento mais rápido. Só que aqui o fulcro precisa estar no investimento -e não no consumo. Por isso, o aumento da capacidade de investimento público é essencial.
LUCIANO COUTINHO, 60, é consultor e professor convidado do IE/Unicamp.


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