São Paulo, quinta, 29 de outubro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA

Ajuste fiscal e desequilíbrio externo

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Em tempos de emergência financeira, a racionalidade e a coerência da política econômica são as primeiras a ser sacrificadas. Tudo fica subordinado à geração de caixa.
As medidas de corte de gastos e aumento de tributos anunciadas ontem não escapam a essa regra geral. Ainda é cedo para uma avaliação bem fundamentada do que o governo anunciou. Muitas medidas ainda não foram adequadamente explicadas ou detalhadas.
Mas há, desde logo, aspectos que podem ser discutidos. Como se previa, o grosso do ajuste para 1999 corresponde a aumentos de impostos e contribuições.
A ênfase do governo foi na elevação substancial das alíquotas de tributos de arrecadação relativamente fácil e que não são compartilhados com Estados e municípios (CPMF, Cofins e contribuições de servidores civis ativos e inativos da União). Da aprovação dessas decisões pelo Congresso depende a maior parte do ajuste fiscal programado para o ano que vem.
Bem. Não é fácil aumentar tributos em uma economia que está passando da estagnação à recessão aberta. Além disso, a carga tributária já aumentou bastante depois do Plano Real. Será grande a resistência a acréscimos adicionais.
E há circunstâncias agravantes. O que se está propondo é uma pesada majoração de tributos cumulativos, que sempre foram reconhecidos, inclusive pelo próprio governo, como geradores de graves distorções no funcionamento da economia.
Como ficam, por exemplo, as decantadas preocupações da equipe econômica com o chamado "custo Brasil" e as deformações do sistema tributário? A Cofins era um dos tributos que o governo pretendia eliminar por ocasião da sempre prometida, e sempre adiada, reforma do sistema tributário nacional. Em vez de eliminá-la, o governo pensou bem e resolveu aumentá-la.
O aumento da Cofins, que incide sobre o faturamento, e o da CPMF, que atinge a movimentação bancária, elevam o custo de produzir no país e diminuem, portanto, a competitividade internacional das empresas brasileiras. Afetam a sua capacidade de competir no exterior e de enfrentar a concorrência de produtos importados no mercado interno.
Para um país que tem no desequilíbrio externo o seu problema mais agudo, medidas como essas parecem estranhas. Tanto mais que a competitividade externa já vinha sendo prejudicada pela redução do crédito e pela alta recente dos custos financeiros para as firmas brasileiras, em consequência da retração da oferta de empréstimos internacionais e do aumento das taxas de juro internas.
Há um aspecto curioso na movimentação do governo brasileiro nos meses recentes. O problema mais urgente é o desequilíbrio externo e a contínua perda de reservas internacionais. A emergência decorre fundamentalmente de uma escassez de dólares.
No entanto quase todas as energias do governo estão voltadas para a geração de um superávit fiscal primário em moeda nacional. Não há, por enquanto, um esforço sistemático para economizar ou estimular a geração de divisas. As medidas de ajustamento na área externa têm sido raras e tímidas.
O governo desistiu do "gradualismo fiscal", mas continua apegado ao "gradualismo cambial". Com promessas de ajuste fiscal feroz, agora supervisionadas pelo FMI, procura garantir aos mercados financeiros a sua capacidade de pagar as despesas adicionais de juros decorrentes da defesa do regime cambial e da sobrevalorização do real.
No seu discurso de anteontem, Fernando Henrique Cardoso afirmou que as medidas propostas "são para acabar com o flagelo dos juros altos". Mais razoável seria dizer que elas decorrem do flagelo dos juros altos. Estes, por sua vez, são em larga medida um subproduto do desequilíbrio na área externa.
Os impasses financeiros do país não serão resolvidos enquanto o governo não atacar a crise pela raiz.


Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net




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