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OPINIÃO ECONÔMICA
Ajuste fiscal e desequilíbrio externo
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Em tempos de emergência financeira, a racionalidade e a
coerência da política econômica
são as primeiras a ser sacrificadas. Tudo fica subordinado à
geração de caixa.
As medidas de corte de gastos
e aumento de tributos anunciadas ontem não escapam a essa
regra geral. Ainda é cedo para
uma avaliação bem fundamentada do que o governo anunciou. Muitas medidas ainda
não foram adequadamente explicadas ou detalhadas.
Mas há, desde logo, aspectos
que podem ser discutidos. Como
se previa, o grosso do ajuste para 1999 corresponde a aumentos
de impostos e contribuições.
A ênfase do governo foi na elevação substancial das alíquotas
de tributos de arrecadação relativamente fácil e que não são
compartilhados com Estados e
municípios (CPMF, Cofins e
contribuições de servidores civis
ativos e inativos da União). Da
aprovação dessas decisões pelo
Congresso depende a maior
parte do ajuste fiscal programado para o ano que vem.
Bem. Não é fácil aumentar tributos em uma economia que está passando da estagnação à recessão aberta. Além disso, a carga tributária já aumentou bastante depois do Plano Real. Será
grande a resistência a acréscimos adicionais.
E há circunstâncias agravantes. O que se está propondo é
uma pesada majoração de tributos cumulativos, que sempre
foram reconhecidos, inclusive
pelo próprio governo, como geradores de graves distorções no
funcionamento da economia.
Como ficam, por exemplo, as
decantadas preocupações da
equipe econômica com o chamado "custo Brasil" e as deformações do sistema tributário? A
Cofins era um dos tributos que o
governo pretendia eliminar por
ocasião da sempre prometida, e
sempre adiada, reforma do sistema tributário nacional. Em
vez de eliminá-la, o governo
pensou bem e resolveu aumentá-la.
O aumento da Cofins, que incide sobre o faturamento, e o da
CPMF, que atinge a movimentação bancária, elevam o custo
de produzir no país e diminuem, portanto, a competitividade internacional das empresas brasileiras. Afetam a sua capacidade de competir no exterior e de enfrentar a concorrência de produtos importados no
mercado interno.
Para um país que tem no desequilíbrio externo o seu problema mais agudo, medidas como
essas parecem estranhas. Tanto
mais que a competitividade externa já vinha sendo prejudicada pela redução do crédito e pela alta recente dos custos financeiros para as firmas brasileiras, em consequência da retração da oferta de empréstimos
internacionais e do aumento
das taxas de juro internas.
Há um aspecto curioso na movimentação do governo brasileiro nos meses recentes. O problema mais urgente é o desequilíbrio externo e a contínua perda de reservas internacionais. A
emergência decorre fundamentalmente de uma escassez de dólares.
No entanto quase todas as
energias do governo estão voltadas para a geração de um superávit fiscal primário em moeda
nacional. Não há, por enquanto, um esforço sistemático para
economizar ou estimular a geração de divisas. As medidas de
ajustamento na área externa
têm sido raras e tímidas.
O governo desistiu do "gradualismo fiscal", mas continua
apegado ao "gradualismo cambial". Com promessas de ajuste
fiscal feroz, agora supervisionadas pelo FMI, procura garantir
aos mercados financeiros a sua
capacidade de pagar as despesas adicionais de juros decorrentes da defesa do regime cambial e da sobrevalorização do
real.
No seu discurso de anteontem,
Fernando Henrique Cardoso
afirmou que as medidas propostas "são para acabar com o flagelo dos juros altos". Mais razoável seria dizer que elas decorrem do flagelo dos juros altos. Estes, por sua vez, são em
larga medida um subproduto
do desequilíbrio na área externa.
Os impasses financeiros do
país não serão resolvidos enquanto o governo não atacar a
crise pela raiz.
Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e
professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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