São Paulo, domingo, 29 de novembro de 1998

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Empresas dos EUA vivem
colapso dos lucros

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

Parece uma gangorra. Agora que ganham força as expectativas de recuperação das economias asiáticas, surgem mais sinais de deterioração nas economias dos EUA e da União Européia. Mas não pode ser uma gangorra porque, se o Primeiro Mundo entrar em recessão, a recuperação na Ásia terá vida curta.
Depois do "crash" (queda vertiginosa) nas Bolsas e do "credit crunch" (aperto de crédito), surgem na economia norte-americana indicações de "profit slump" (colapso dos lucros). Os números relativos ao terceiro trimestre de 1998 são impressionantes.
Na comparação com o mesmo trimestre de 1997, a queda nos lucros foi de 6,2%, a maior queda anual desde 1989. As compras de equipamento pelas empresas, um sintoma de suas intenções de investimento, tiveram o seu primeiro declínio desde o final de 1991. As encomendas de bens de capital caíram mais de 9%.
A grande questão é saber se esta é uma queda acidental, a ser superada com a rapidez dos ciclos de alta e baixa nas Bolsas. Ou se algo de mais profundo e desagradável está em gestação.
Menos lucros e menos investimentos, num ambiente de elevação significativa dos estoques, podem levar as empresas a uma posição mais frágil. Elas, por exemplo, se tornam alvos mais fáceis para aquisições e fusões.
É o que se viu nas últimas semanas. A lista de megafusões anunciadas atinge os principais setores da economia norte-americana, da Internet ao petróleo.
Esse processo costuma levar a um enxugamento das empresas, ou seja, a um aumento no desemprego. Com o desemprego em alta, as vendas caem, os preços tendem a cair e os lucros também. Fecha-se um círculo vicioso que na pior das hipóteses termina em recessão.
Ou seja, as empresas (que sobram) ficam mais fortes e maiores. Mas, paradoxalmente, a economia pode ficar mais fraca. O que, aliás, não chega a ser uma novidade para quem leu, alguma vez na vida, um texto de Karl Marx sobre os processos de acumulação, concentração e centralização de capitais.
Na sua visão apocalíptica, o fortalecimento do capital é tão intenso que, no afã de se valorizar a qualquer custo, superando todos os limites, perde o pé.
Entretanto, a tendência recessiva nos EUA não decorre apenas de uma dialética interna à maior economia do planeta. Ela é reforçada pela contração nas economias em desenvolvimento, em especial na América do Sul. O encolhimento desses mercados afeta ao mesmo tempo as exportações e os lucros das empresas multinacionais norte-americanas.
Apesar desses indícios, por enquanto todas as previsões apontam para a continuação do crescimento na economia norte-americana, animada pela queda nos juros, que estimula o crédito ao consumidor e a expansão do setor imobiliário.
O Índice de Confiança do Consumidor está em alta nos EUA. Mas os economistas discutem a natureza desse indicador. Trata-se de um "leading indicator", ou seja, um sinal do que virá, ou apenas de um reflexo passivo e pouco informado do que já ficou para trás (a queda nos juros e o surto de euforia nas Bolsas)?
Uma reação protecionista é outro dos novos riscos no Primeiro Mundo. As chances de uma guerra comercial continuam altos. A queda nos lucros é explicada por muitos empresários nos Estados Unidos como resultado da inundação de produtos baratos importados de países em crise. Aço da Rússia e da Ásia é um exemplo.
Assim, não é por acaso que a questão da abertura comercial entrou nos debates entre o Congresso norte-americano e o presidente Clinton sobre a liberação de mais US$ 18 bilhões para o caixa do Fundo Monetário Internacional. Uma das condições para liberar o dinheiro foi incluir cláusulas de abertura comercial nos pacotes de resgate aos mercados emergentes.
A frase é conhecida: não existe almoço grátis. Num momento em que os lucros caem, a disposição dos EUA a dar crédito depende das chances de o dinheiro voltar sob a forma de encomendas ou oportunidades de investimento.
No Brasil, o presidente do BC, Gustavo Franco, já mostrou que entendeu o recado. Há poucos dias, declarou que virá muito dinheiro para o país, pois as empresas estão endividadas e baratas, sendo um alvo perfeito para aquisições por estrangeiros.
Resta saber quão baratas deverão ser as empresas brasileiras, pois com a recessão já instalada os lucros por aqui também serão cada vez menores.



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