São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

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MERCADO

Bancos temem que o governo não honre pagamento e diminuem compra de papéis; fuga provoca falta de dólar

Estrangeiro foge de título público do Brasil

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

O temor de que o Brasil tivesse problemas para pagar sua dívida reduziu o apetite de bancos estrangeiros pelos lucrativos títulos públicos do país em 2002.
Isso se refletiu em uma participação bem menor dessas instituições nos leilões de papéis da dívida pública, feitos pelo Tesouro Nacional e pelo Banco Central.
No segundo semestre de 2002, até novembro, os bancos de fora levaram 33% do total de títulos leiloados. Esse valor representa uma queda de 21% em relação ao mesmo período no ano passado, quando as instituições estrangeiras haviam abocanhado 42% do total de títulos emitidos.
"Crise argentina e problemas domésticos brasileiros, como as incertezas associadas às eleições, somados a uma retração global de investimentos levaram os bancos estrangeiros a reduzir bastante a exposição à América Latina", diz Joaquim Kokudai, diretor de tesouraria do Lloyds TSB.
Segundo Alberto Borges Matias, sócio da ABM Consulting, dúvidas em relação à capacidade do governo de renovar sua dívida foram as principais responsáveis pela fuga de investidores de ativos brasileiros.

Nacionais
Se a participação dos bancos estrangeiros nos leilões de títulos públicos caiu neste ano, a das instituições nacionais aumentou. No segundo semestre deste ano, até novembro passado, os bancos brasileiros haviam comprado 67% dos papéis públicos ofertados. No mesmo período do ano passado, esse percentual havia sido menor: 58%.
Isso não quer dizer, no entanto, que a demanda de bancos nacionais por títulos públicos aumentou. Ao contrário, tanto as instituições brasileiras como as estrangeiras compraram um volume menor de títulos em 2002 do que no ano passado.
A demanda menor acabou forçando uma redução na quantidade de títulos da dívida pública que foram rolados. No total, o governo conseguiu vender R$ 55,2 bilhões entre julho e novembro deste ano-uma queda de 49% em relação ao mesmo período em 2001.
Como o volume de títulos comprados pelos bancos estrangeiros no segundo semestre caiu bem mais (60%) do que a quantidade adquirida pelas instituições nacionais (recuo de 41%), a participação relativa das últimas nos leilões acabou aumentando.
Segundo um alto funcionário do Tesouro Nacional, a maior retração de estrangeiros tem duas explicações principais. Em primeiro lugar, essas instituições têm maior preferência por títulos corrigidos pelo câmbio. Como o governo reduziu a oferta desses papéis para evitar maior desvalorização do real, os bancos de fora se afastaram mais dos leilões.
Além disso, é comum que os investidores estrangeiros fiquem mais ressabiados em épocas de crise que os nacionais.
Essa retração de demanda por títulos públicos foi parte de um movimento maior de fuga de investidores de fora do Brasil, que vem tendo sérias consequências para a economia.
Menos recursos externos aplicados em ativos brasileiros significaram uma oferta menor de dólares no mercado interno e provocaram uma forte desvalorização do real. O pior resultado disso tem sido uma disparada nos preços, como não se via desde 1995.
Outra ameaça para a inflação vem do brutal aumento de recursos que estão sendo rolados no chamado mercado "overnight" (que remunera as aplicações com taxas de juros diárias), que saltou de R$ 6 bilhões em maio passado para cerca de R$ 60 bilhões hoje.
Esse aumento também é consequência da menor demanda de investidores por títulos públicos. Com medo de um possível calote da dívida, as instituições financeiras recorreram às aplicações diárias. O risco disso é que esses recursos que giram todo o dia no mercado acabem destinados ao consumo. O que aumentaria ainda mais as pressões inflacionárias.


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