São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Lucro maior não garante recuperação econômica

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Diz a sabedoria convencional que o caminho para uma empresa sair da crise é aumentar os lucros. Boa parte dos modelos de crescimento econômico depende do reinvestimento dos lucros. Portanto, a notícia de que os lucros das empresas norte-americanas tiveram o maior aumento dos últimos dois anos no quarto trimestre de 2002 deveria ser um sinal de recuperação iminente da maior economia do mundo.
Mas não basta obter mais lucros, é preciso saber em qual contexto isso ocorre. Primeiro, as estatísticas indicam agora um aumento expressivo dos lucros, mas a base de comparação (trimestre final de 2001) é muito baixa (corresponde ao período imediatamente posterior aos ataques terroristas).
Mais importante, no entanto, é examinar com detalhe a origem desse aumento dos lucros (ou redução de perdas) em algumas das principais empresas. Destacam-se os gastos dos consumidores em carros e bens duráveis, em especial móveis e utensílios para residências (gasto estimulado pela redução nas taxas de juros nos Estados Unidos). A outra fonte de lucros foi a redução de gastos nas empresas por meio de milhares de demissões.
É óbvia a contradição entre maior consumo e menor emprego. É uma combinação insustentável, pois não é possível que os consumidores continuem comprando mais casas e carros, mesmo com juros baixos, enquanto as empresas continuam demitindo (afinal, muitos consumidores são também trabalhadores). E não parece possível reduzir ainda mais os juros. As taxas hipotecárias já estão no menor nível em três décadas.
O fato é que se trata de um ajuste negativo. Empresas cujos lucros aumentam pelo corte de empregos não vão reinvestir os lucros. Sem retomada de investimentos na produção, não há recuperação do crescimento econômico, mesmo com juros baixíssimos.
O aumento nos lucros resulta ainda de medidas de racionalização que não contribuem para reanimar a economia. No varejo, as vendas natalinas foram ruins, mas os lojistas reduziram suas encomendas e estoques.
Os lucros podem aumentar porque as lojas terão menos mercadoria para liquidar. Nos setores produtores de bens de capital e de equipamentos de informática, no entanto, a depressão continua (já são seis trimestres de queda nos investimentos).
Também se esgotou o movimento de fusões e aquisições (queda de 28% em 2002, menor nível de negócios desde 1998). Nos últimos anos, esse tipo de operação propiciou a muitas empresas e instituições financeiras uma sobrevida (sem contar as maracutaias). Mas alguns dos principais bancos de investimento já fecharam as portas ou estão perto disso. A queda de receita no setor, nos últimos dois anos, foi de 40% (essas instituições perderam US$ 260 bilhões).
A sabedoria convencional sofre outro abalo diante desses dados. Dizem os conservadores que somente a flexibilização do mercado de trabalho (redução no custo das demissões e eliminação de direitos trabalhistas e previdenciários) pode criar as bases para a recuperação da economia. É uma crítica comumente dirigida aos governos europeus, mas também está na agenda latino-americana e brasileira.
A maior e mais flexível economia do mundo mostra o contrário. O aumento de lucros com base no corte de empregos é não apenas inútil, mas pode dificultar a retomada do crescimento econômico.


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