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CONFLITO LINGUÍSTICO
Estatal se nega a abandonar inglês em disputa com canadense
Petrobras se recusa a usar português
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente da República, Luiz
Inácio Lula da Silva, não fala inglês. Muitos ministros do PT não
são fluentes nesse idioma. Mesmo
assim, a maior empresa estatal
brasileira, a Petrobras, faz muitas
negociações apenas em inglês e se
recusa a negociar em português
-ainda que as outras partes envolvidas queiram usar o idioma
corrente no país.
A Coplex, canadense, está em litígio com a Petrobras por causa
de um trabalho na bacia de Santos. Embora seja estrangeira e tenha assinado um contrato prevendo que tudo seria discutido
em inglês, a Coplex se propôs a dirimir a celeuma em português.
Argumentou que "o fato ocorreu
no Brasil", "a maioria dos documentos já está em português" e
"as testemunhas são brasileiras".
Em 9 de setembro, a Petrobras
respondeu por escrito: "Entendemos não ser conveniente, neste
momento, efetuar a alteração da
proposta". Em resumo, a estatal
quer negociar em inglês. A estrangeira deseja falar em português. O
caso está na Justiça.
No dia 26 de novembro, a Coplex fez notificação judicial no Rio
de Janeiro, contestando o fato de
o contrato ser em inglês: "O referido acordo que rege a relação comercial das partes é curiosamente
redigido em inglês -língua esta
que poucos dominam em nosso
país, embora muitos se julguem
fluentes. Mesmo nos quadros de
funcionários da 1ª notificada [Petrobras], principal defensora da
utilização daquele idioma alienígena, serão poucos os que poderão arrogar fluência na língua inglesa. E, no entanto, o contrato foi
redigido, assinado e agora, sendo
discutido em inglês".
Embora em inglês, o contrato
prevê que as disputas devam ser
resolvidas com base na legislação
brasileira. Esse é o argumento da
Coplex para mudar o idioma.
Em defesa do português
Autor de projeto que tramita no
Congresso a favor de defesa do
português, o líder do governo na
Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), prefere não se envolver: "Sem
emitir opinião sobre esse caso específico, seria importante que o
poder público zelasse pelo uso da
língua portuguesa nas repartições
e nos documentos oficiais".
O uso do idioma inglês na Petrobras, uma empresa multinacional, é comum. Segundo a consultoria Economática, é a 12ª com
maior lucro líquido no continente
americano -US$ 1,8 bilhão no
terceiro trimestre deste ano.
Na década de 90, com o fim do
monopólio do petróleo, a Petrobras passou a se associar a empresas estrangeiras para prospectar e
explorar petróleo. A empresa argumenta, segundo a Folha apurou, que não havia experiência jurídica no Brasil para fazer esses
contratos. Por isso, optou-se por
contratos em inglês, quase sempre elegendo corte arbitral em
Londres para dirimir disputas.
Foi um desses contratos que as
quatro empresas, três brasileiras
(Petrobras, Starfish Oil & Gas e
Queiroz Galvão Perfurações) e
uma estrangeira (Coplex) assinaram para explorar petróleo na bacia de Santos, em agosto de 2000.
Algum tempo depois, a Coplex
sentiu-se prejudicada. Pelo contrato, a Petrobras faz o trabalho de
prospecção e repassa os custos às
outras empresas do consórcio.
Quando o óleo for encontrado,
todas se beneficiam. Mas a Coplex
achou os custos altos. Quer uma
revisão contratual, propondo discutir o assunto legalmente no
Brasil, em português.
A disputa não é tão simples como parece. A Coplex está isolada
pelas outras três integrantes do
consórcio que exploram o bloco
BS-3 da bacia de Santos.
Estrangeira
As brasileiras Petrobras, Starfish e Queiroz Galvão não aceitaram os convites da Coplex para
mudar o idioma. As três acreditam que a estrangeira deseja apenas usar estratégia para lucrar
mais adiante.
Ao não concordar com os custos da Petrobras, a Coplex diz que
não pode pagar. Na avaliação das
outras consorciadas, a Coplex
quer ficar sem aportar capital até
ter certeza de que o petróleo será
encontrado. Quando isso ocorrer,
paga o que deve e garante o direito de exploração. Se o óleo não for
encontrado, continua a reclamar
na Justiça e economiza dinheiro.
Outro ponto dessa celeuma linguística é que esses contratos e papéis trocados entre os sócios são
protegidos por cláusula de sigilo.
Como vieram a público, as partes
poderão se acusar de alguém ter
rompido exigência contratual.
O caso pode se arrastar anos na
Justiça. Primeiro em inglês, em
Londres. Depois, no Brasil, pois
todas as empresas têm sede aqui e
o negócio ocorreu dentro do território nacional -em português.
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