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São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2003

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CONFLITO LINGUÍSTICO

Estatal se nega a abandonar inglês em disputa com canadense

Petrobras se recusa a usar português

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, não fala inglês. Muitos ministros do PT não são fluentes nesse idioma. Mesmo assim, a maior empresa estatal brasileira, a Petrobras, faz muitas negociações apenas em inglês e se recusa a negociar em português -ainda que as outras partes envolvidas queiram usar o idioma corrente no país.
A Coplex, canadense, está em litígio com a Petrobras por causa de um trabalho na bacia de Santos. Embora seja estrangeira e tenha assinado um contrato prevendo que tudo seria discutido em inglês, a Coplex se propôs a dirimir a celeuma em português. Argumentou que "o fato ocorreu no Brasil", "a maioria dos documentos já está em português" e "as testemunhas são brasileiras".
Em 9 de setembro, a Petrobras respondeu por escrito: "Entendemos não ser conveniente, neste momento, efetuar a alteração da proposta". Em resumo, a estatal quer negociar em inglês. A estrangeira deseja falar em português. O caso está na Justiça.
No dia 26 de novembro, a Coplex fez notificação judicial no Rio de Janeiro, contestando o fato de o contrato ser em inglês: "O referido acordo que rege a relação comercial das partes é curiosamente redigido em inglês -língua esta que poucos dominam em nosso país, embora muitos se julguem fluentes. Mesmo nos quadros de funcionários da 1ª notificada [Petrobras], principal defensora da utilização daquele idioma alienígena, serão poucos os que poderão arrogar fluência na língua inglesa. E, no entanto, o contrato foi redigido, assinado e agora, sendo discutido em inglês".
Embora em inglês, o contrato prevê que as disputas devam ser resolvidas com base na legislação brasileira. Esse é o argumento da Coplex para mudar o idioma.

Em defesa do português
Autor de projeto que tramita no Congresso a favor de defesa do português, o líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), prefere não se envolver: "Sem emitir opinião sobre esse caso específico, seria importante que o poder público zelasse pelo uso da língua portuguesa nas repartições e nos documentos oficiais".
O uso do idioma inglês na Petrobras, uma empresa multinacional, é comum. Segundo a consultoria Economática, é a 12ª com maior lucro líquido no continente americano -US$ 1,8 bilhão no terceiro trimestre deste ano.
Na década de 90, com o fim do monopólio do petróleo, a Petrobras passou a se associar a empresas estrangeiras para prospectar e explorar petróleo. A empresa argumenta, segundo a Folha apurou, que não havia experiência jurídica no Brasil para fazer esses contratos. Por isso, optou-se por contratos em inglês, quase sempre elegendo corte arbitral em Londres para dirimir disputas.
Foi um desses contratos que as quatro empresas, três brasileiras (Petrobras, Starfish Oil & Gas e Queiroz Galvão Perfurações) e uma estrangeira (Coplex) assinaram para explorar petróleo na bacia de Santos, em agosto de 2000.
Algum tempo depois, a Coplex sentiu-se prejudicada. Pelo contrato, a Petrobras faz o trabalho de prospecção e repassa os custos às outras empresas do consórcio. Quando o óleo for encontrado, todas se beneficiam. Mas a Coplex achou os custos altos. Quer uma revisão contratual, propondo discutir o assunto legalmente no Brasil, em português.
A disputa não é tão simples como parece. A Coplex está isolada pelas outras três integrantes do consórcio que exploram o bloco BS-3 da bacia de Santos.

Estrangeira
As brasileiras Petrobras, Starfish e Queiroz Galvão não aceitaram os convites da Coplex para mudar o idioma. As três acreditam que a estrangeira deseja apenas usar estratégia para lucrar mais adiante.
Ao não concordar com os custos da Petrobras, a Coplex diz que não pode pagar. Na avaliação das outras consorciadas, a Coplex quer ficar sem aportar capital até ter certeza de que o petróleo será encontrado. Quando isso ocorrer, paga o que deve e garante o direito de exploração. Se o óleo não for encontrado, continua a reclamar na Justiça e economiza dinheiro.
Outro ponto dessa celeuma linguística é que esses contratos e papéis trocados entre os sócios são protegidos por cláusula de sigilo. Como vieram a público, as partes poderão se acusar de alguém ter rompido exigência contratual.
O caso pode se arrastar anos na Justiça. Primeiro em inglês, em Londres. Depois, no Brasil, pois todas as empresas têm sede aqui e o negócio ocorreu dentro do território nacional -em português.



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