São Paulo, sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

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FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL

Davos troca Adam Smith por Freud

Acadêmicos, empresários e jornalistas discutem no Fórum seu fracasso em antecipar a crise global

Para George Soros, cenário "excede a imaginação das pessoas", é comparável ao colapso soviético e não tinha como ser previsto

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

Davos -ou ao menos uma parte de sua elite, acadêmica, empresarial e jornalística- sentou-se no divã para discutir o seu comportamento nas informações sobre a crise, em uma sessão que confirmou que o mundo vive não só profunda crise econômica mas um momento de total perplexidade.
Tanto que Laura D'Andrea Tyson, que já foi chefe do Conselho Econômico da Casa Branca (governo Clinton) e hoje leciona na Universidade da Califórnia em Berkeley, sugeriu aos jornalistas que se dedicassem a um novo ramo do conhecimento, a "neuroeconomics", porque os economistas têm muito pouco a ensinar a respeito de crises.
"É uma questão de comportamento humano", disse Laura, usando o seu próprio desconforto por ter trabalhado na Morgan Stanley, firma financeira que, como todas, está no epicentro da crise.
"Eu me considero uma economista honesta", disse Laura. Por isso, disse que é "doloroso" ser acusada de "comportamento antiético", simplesmente por ter sido conselheira das demonizadas firmas financeiras.
Com Laura, sentaram-se no divã fictício de Davos lustrosas grifes do jornalismo global, presentes ao debate, ao lado do economista Nouriel Roubini, hoje o guru favorito do planeta por ter sido um dos únicos a antever a crise, e do megainvestidor George Soros.
Soros, aliás, poderia ter feito autocrítica. Em 1995, na própria Davos, quando o México derretia, ele previu, em entrevista coletiva, que haveria uma repetição da crise de 1929 -a maior que o planeta jamais enfrentara. Errou por 14 anos apenas, já que, agora, de novo prevê uma catástrofe ainda mais séria que a dos anos 30.
O caso Soros serve à perfeição a uma das explicações ao fato de o jornalismo não ter antecipado a crise: por mais que houvesse textos e informações sobre dificuldades na economia, é praticamente impossível acertar o "timing" do estouro.
"Stephen Roach [a mais constante Cassandra dos economistas globais] vinha falando da iminência da crise desde 1996", lembrou Laura Tyson. Mas, acrescentou, "ninguém consegue capturar o momento e o tamanho do urso", referindo-se à expressão clássica da Bolsa da Nova York para momentos de baixa (o touro é o símbolo da alta).
A professora de Berkeley fez uma autocrítica dos profissionais do seu ramo: "A profissão não é boa para fazer previsões". Nem pode ser, à medida que ela própria diz que os livros-texto tratam muito pouco de temas como mercado de capitais -menos ainda, é claro, de invenções recentes, como fundos de hedge ou derivativos.
Tanto Soros como Roubini aliviaram o desconforto dos jornalistas. O investidor disse que o que está ocorrendo "é realmente excepcional. O colapso [do sistema financeiro] é similar ao colapso do sistema soviético". Eventos desse tipo, fechou o raciocínio, "excedem a imaginação das pessoas" e, por extensão, dos jornalistas.
Roubini preferiu dizer que não dá para culpar a mídia mais do que os acadêmicos e os líderes políticos, porque todos foram igualmente incapazes de antecipar o tsunami.
"Nós somos uma minoria", gabou-se Roubini, por ter conseguido a proeza. Fiel a seu apelido de Mr. Apocalipse, o economista não se dá por satisfeito agora que toda a mídia planetária entrou no modo catástrofe.
"As reportagens ainda não estão enfatizando todos os fatores negativos. Não digo que haverá uma depressão, mas é preciso discutir se haverá ou não", defendeu.
Os jornalistas presentes tentaram uma tímida defesa profissional, lembrando que houve, sim, alguns trabalhos muito bem-feitos antecipando os problemas que originaram a crise.
Até que foram interrompidos pelo corrosivo humor britânico de Martin Wolf, o principal colunista do "Financial Times" e seu decreto irrefutável: "Ninguém conseguiu escrever uma história dizendo que o fim do mundo está chegando".
Por fim, deu um conselho aos colegas: "É melhor nunca conversar com as autoridades. Você pode achar que elas sabem algo, quando, na verdade, sabem menos do que você".


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