|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL
Davos troca Adam Smith por Freud
Acadêmicos, empresários e jornalistas discutem no Fórum seu fracasso em antecipar a crise global
Para George Soros, cenário "excede a imaginação das pessoas", é comparável ao colapso soviético e não tinha como ser previsto
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
Davos -ou ao menos uma
parte de sua elite, acadêmica,
empresarial e jornalística-
sentou-se no divã para discutir
o seu comportamento nas informações sobre a crise, em
uma sessão que confirmou que
o mundo vive não só profunda
crise econômica mas um momento de total perplexidade.
Tanto que Laura D'Andrea
Tyson, que já foi chefe do Conselho Econômico da Casa
Branca (governo Clinton) e hoje leciona na Universidade da
Califórnia em Berkeley, sugeriu aos jornalistas que se dedicassem a um novo ramo do conhecimento, a "neuroeconomics", porque os economistas
têm muito pouco a ensinar a
respeito de crises.
"É uma questão de comportamento humano", disse Laura,
usando o seu próprio desconforto por ter trabalhado na
Morgan Stanley, firma financeira que, como todas, está no
epicentro da crise.
"Eu me considero uma economista honesta", disse Laura.
Por isso, disse que é "doloroso"
ser acusada de "comportamento antiético", simplesmente
por ter sido conselheira das demonizadas firmas financeiras.
Com Laura, sentaram-se no
divã fictício de Davos lustrosas
grifes do jornalismo global,
presentes ao debate, ao lado do
economista Nouriel Roubini,
hoje o guru favorito do planeta
por ter sido um dos únicos a antever a crise, e do megainvestidor George Soros.
Soros, aliás, poderia ter feito
autocrítica. Em 1995, na própria Davos, quando o México
derretia, ele previu, em entrevista coletiva, que haveria uma
repetição da crise de 1929 -a
maior que o planeta jamais enfrentara. Errou por 14 anos
apenas, já que, agora, de novo
prevê uma catástrofe ainda
mais séria que a dos anos 30.
O caso Soros serve à perfeição a uma das explicações ao fato de o jornalismo não ter antecipado a crise: por mais que
houvesse textos e informações
sobre dificuldades na economia, é praticamente impossível
acertar o "timing" do estouro.
"Stephen Roach [a mais
constante Cassandra dos economistas globais] vinha falando da iminência da crise desde
1996", lembrou Laura Tyson.
Mas, acrescentou, "ninguém
consegue capturar o momento
e o tamanho do urso", referindo-se à expressão clássica da
Bolsa da Nova York para momentos de baixa (o touro é o
símbolo da alta).
A professora de Berkeley fez
uma autocrítica dos profissionais do seu ramo: "A profissão
não é boa para fazer previsões".
Nem pode ser, à medida que ela
própria diz que os livros-texto
tratam muito pouco de temas
como mercado de capitais
-menos ainda, é claro, de invenções recentes, como fundos
de hedge ou derivativos.
Tanto Soros como Roubini
aliviaram o desconforto dos
jornalistas. O investidor disse
que o que está ocorrendo "é
realmente excepcional. O colapso [do sistema financeiro] é
similar ao colapso do sistema
soviético". Eventos desse tipo,
fechou o raciocínio, "excedem a
imaginação das pessoas" e, por
extensão, dos jornalistas.
Roubini preferiu dizer que
não dá para culpar a mídia mais
do que os acadêmicos e os líderes políticos, porque todos foram igualmente incapazes de
antecipar o tsunami.
"Nós somos uma minoria",
gabou-se Roubini, por ter conseguido a proeza. Fiel a seu apelido de Mr. Apocalipse, o economista não se dá por satisfeito
agora que toda a mídia planetária entrou no modo catástrofe.
"As reportagens ainda não
estão enfatizando todos os fatores negativos. Não digo que
haverá uma depressão, mas é
preciso discutir se haverá ou
não", defendeu.
Os jornalistas presentes tentaram uma tímida defesa profissional, lembrando que houve, sim, alguns trabalhos muito
bem-feitos antecipando os problemas que originaram a crise.
Até que foram interrompidos
pelo corrosivo humor britânico
de Martin Wolf, o principal colunista do "Financial Times" e
seu decreto irrefutável: "Ninguém conseguiu escrever uma
história dizendo que o fim do
mundo está chegando".
Por fim, deu um conselho aos
colegas: "É melhor nunca conversar com as autoridades. Você pode achar que elas sabem
algo, quando, na verdade, sabem menos do que você".
Texto Anterior: Vale venderá participação na Usiminas Próximo Texto: Enviada de Obama critica empresários Índice
|