São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 2002

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LUÍS NASSIF

A indústria dos processos

Finalmente imprensa, empresas, Ministério Público e Justiça começam a se dar conta de um conjunto de distorções que acabou tornando os quatro poderes reféns de um jogo comercial de características pesadas.
As distorções do processo permitiram a proliferação de "empreendedores de ações jurídicas" -pessoas que aprenderam a trabalhar com as distorções existentes no relacionamento entre mídia e partes interessadas em disputas comerciais.
Os "empreendedores" montam suas estratégias de disputa, nas quais a ação judicial é apenas uma peça do processo. Nem é necessário ter razão na ação. Às vezes a simples demora no julgamento torna mais barato para a outra parte aceitar um acordo desvantajoso.
Esse jogo teve início quando a disputa entre órgãos de imprensa levou-os a desarmar os processos internos de controle de qualidade da informação. Aceitava-se qualquer churrasco de gato, desde que garantisse a manchete de impacto, ainda que fosse desmentida pelos fatos nos meses seguintes. O álibi era a defesa do bem público, não o compromisso expresso com a objetividade dos fatos.
Essa falta de critério amplo prescindia de confirmações futuras sobre a veracidade das matérias. As falsas simplesmente desmanchavam no ar e eram esquecidas, sem nenhum risco para o veículo ou para seus autores. Com a porteira aberta, passou todo tipo de boi e de boiada, de dossiês a grampos.
Essa falta de critério abriu espaço para um segundo tipo de manipulação, muito empregado por alguns procuradores do Ministério Público Federal de Brasília e também por policiais. Vazavam-se para a imprensa partes do processo ou opiniões em "off" e, com base nas notícias plantadas, tentava-se pressionar os juízes. Muitas liminares foram obtidas desse modo.
Mais uma vez, usava-se o álibi da defesa do bem público. Com as boas intenções justificando todos os abusos, abriu-se a exceção e, com ela, espaço para uma indústria terrível, cujos principais personagens começam a aflorar agora, mas que estavam atuantes desde o início.
Parte deles veio do submundo, chantagistas, grampeadores, egressos da comunidade de informações, que passaram a trabalhar como free-lancers para as partes envolvidas.
Na área da mídia, surgiu uma nova modalidade, a assessoria de imprensa barra pesada, especializada em missão de guerra, ganhando rios de dinheiro para praticar dois tipos de trabalho pouco ortodoxos. O primeiro, colocando os chantagistas em contato com jornalistas, atraídos pela cenoura de furos, grampos ou meros boatos. O segundo, atacando os recalcitrantes, jovens repórteres, com ameaças contra sua reputação, brandindo intimidade com chefias ou partindo para ataques frontais.
Hoje em dia, as empresas que recorreram mais pesadamente a essas assessorias são, não coincidentemente, as de pior imagem na mídia. O Ministério Público está sendo alvo de enorme quantidade de ações de indenização, por vazamento de informação, infelizmente atingindo procuradores sérios, que ficaram expostos pela ação dos irresponsáveis. A mídia esbarra em problemas de credibilidade, especialmente na área que utiliza mais intensamente notas sem critério técnico.
Há mudanças. Do lado da mídia, há menos espaço para dossiês, grampos, especialmente depois de esse expediente ter sido levado ao exagero absoluto nas últimas vezes em que foi utilizado. Entrar nesse jogo já foi grande negócio jornalístico. Hoje em dia, suscita suspeita. Do lado do MP, há uma tendência ao esvaziamento dos procuradores de Brasília, que só mantêm poder graças ao espaço que conservam na mídia. Do lado das assessorias de comunicação, foi criada uma entidade cujo primeiro desafio será implantar um código de ética na categoria.
Falta apenas cair a ficha nas grandes corporações.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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