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LUÍS NASSIF
A indústria dos processos
Finalmente imprensa, empresas, Ministério Público e
Justiça começam a se dar conta
de um conjunto de distorções
que acabou tornando os quatro
poderes reféns de um jogo comercial de características pesadas.
As distorções do processo permitiram a proliferação de "empreendedores de ações jurídicas" -pessoas que aprenderam
a trabalhar com as distorções
existentes no relacionamento
entre mídia e partes interessadas em disputas comerciais.
Os "empreendedores" montam suas estratégias de disputa,
nas quais a ação judicial é apenas uma peça do processo. Nem
é necessário ter razão na ação.
Às vezes a simples demora no
julgamento torna mais barato
para a outra parte aceitar um
acordo desvantajoso.
Esse jogo teve início quando a
disputa entre órgãos de imprensa levou-os a desarmar os processos internos de controle de
qualidade da informação. Aceitava-se qualquer churrasco de
gato, desde que garantisse a
manchete de impacto, ainda
que fosse desmentida pelos fatos
nos meses seguintes. O álibi era
a defesa do bem público, não o
compromisso expresso com a
objetividade dos fatos.
Essa falta de critério amplo
prescindia de confirmações futuras sobre a veracidade das
matérias. As falsas simplesmente desmanchavam no ar e eram
esquecidas, sem nenhum risco
para o veículo ou para seus autores. Com a porteira aberta,
passou todo tipo de boi e de
boiada, de dossiês a grampos.
Essa falta de critério abriu espaço para um segundo tipo de
manipulação, muito empregado por alguns procuradores do
Ministério Público Federal de
Brasília e também por policiais.
Vazavam-se para a imprensa
partes do processo ou opiniões
em "off" e, com base nas notícias
plantadas, tentava-se pressionar os juízes. Muitas liminares
foram obtidas desse modo.
Mais uma vez, usava-se o álibi
da defesa do bem público. Com
as boas intenções justificando
todos os abusos, abriu-se a exceção e, com ela, espaço para uma
indústria terrível, cujos principais personagens começam a
aflorar agora, mas que estavam
atuantes desde o início.
Parte deles veio do submundo,
chantagistas, grampeadores,
egressos da comunidade de informações, que passaram a trabalhar como free-lancers para
as partes envolvidas.
Na área da mídia, surgiu uma
nova modalidade, a assessoria
de imprensa barra pesada, especializada em missão de guerra,
ganhando rios de dinheiro para
praticar dois tipos de trabalho
pouco ortodoxos. O primeiro,
colocando os chantagistas em
contato com jornalistas, atraídos pela cenoura de furos,
grampos ou meros boatos. O segundo, atacando os recalcitrantes, jovens repórteres, com
ameaças contra sua reputação,
brandindo intimidade com chefias ou partindo para ataques
frontais.
Hoje em dia, as empresas que
recorreram mais pesadamente a
essas assessorias são, não coincidentemente, as de pior imagem
na mídia. O Ministério Público
está sendo alvo de enorme
quantidade de ações de indenização, por vazamento de informação, infelizmente atingindo
procuradores sérios, que ficaram expostos pela ação dos irresponsáveis. A mídia esbarra
em problemas de credibilidade,
especialmente na área que utiliza mais intensamente notas sem
critério técnico.
Há mudanças. Do lado da mídia, há menos espaço para dossiês, grampos, especialmente depois de esse expediente ter sido
levado ao exagero absoluto nas
últimas vezes em que foi utilizado. Entrar nesse jogo já foi grande negócio jornalístico. Hoje em
dia, suscita suspeita. Do lado do
MP, há uma tendência ao esvaziamento dos procuradores de
Brasília, que só mantêm poder
graças ao espaço que conservam
na mídia. Do lado das assessorias de comunicação, foi criada
uma entidade cujo primeiro desafio será implantar um código
de ética na categoria.
Falta apenas cair a ficha nas
grandes corporações.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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