São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2004

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LUÍS NASSIF

A vitória da ousadia

No dia 21 de maio de 2002, recebi telefonema de Pedro Camargo Netto no qual expôs os problemas que estava enfrentando com o Ministério das Relações Exteriores, que relutava em prosseguir com a ação contra o algodão norte-americano. Fazia parte de uma ofensiva desesperada para romper com a inércia do Itamaraty.
Antes de entrar para o governo, Camargo já pensava sobre o tema. Após um início desastrado, com a política de retenção do café, o então ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, resolveu dar uma nova dinâmica à pasta e convidou Camargo a integrar a sua equipe. No primeiro despacho, Camargo propôs que se estudasse uma ação contra a política de soja norte-americana. Pratini aprovou.
Em junho de 2001, Camargo apresentou parecer do ex-negociador agrícola europeu Rolf Moehler, que dava um tratamento original à Cláusula da Paz -o acordo que permitia a manutenção de subsídios agrícolas já existentes por ocasião da Rodada Uruguai.
Segundo o parecer, durante a Rodada Uruguai, a soja norte-americana não recebia subsídios. Na safra 2000/2001, os subsídios chegavam a mais de US$ 2 bilhões. A Cláusula da Paz exigia que cada produto individualmente não poderia exceder o nível de subsídio de 1992. Pratini levou ao presidente Fernando Henrique Cardoso a proposta de abrir um painel na OMC contra os EUA. Recebeu luz verde. Em julho de 2002, Camargo se encontrou com o então embaixador em Genebra, Celso Amorim, que prontamente apoiou a proposta.
Em setembro de 2002, houve a primeira reunião com os EUA, em Genebra. Nas análises, se percebeu o mesmo problema com o açúcar da União Européia. Mas se continuava a esbarrar na relutância do Itamaraty, que exigia novos estudos, "muita precaução" -que é a maneira de barrar qualquer iniciativa.
Não fosse essa relutância, a vitória poderia ter sido conquistada em 2002. Depois disso, o preço da soja subiu, os subsídios caíram e se perdeu a oportunidade de iniciar o caso. A OMC julga o presente e o futuro, nunca prejuízos passados. Em setembro de 2002, finalmente, a Camex aprovou os dois casos do algodão e do açúcar. O Brasil ganhou no algodão e deve ganhar no açúcar.
Conselho de Camargo: o importante agora não é o Brasil iniciar novos casos. Não dá para mudar o mundo sozinho. É preciso estudar detalhadamente o ganho do algodão e seu reflexo na Rodada Doha. Para administrar prejuízos, era preciso ousadia. Para administrar a vitória, exige-se precaução.

Copom e China
O principal risco à economia brasileira se chama China. Seu crescimento sustentou o aumento não apenas das exportações brasileiras para lá como dos preços dos principais commodities. Mesmo assim, em sua parte internacional, a ata do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) analisa a economia norte-americana, a japonesa e a européia e não dedica nenhuma linha sequer à China, foco dos analistas do mundo inteiro. Provavelmente porque em 2002 (último ano de Armínio Fraga) a China não era incluída porque naquela época ainda não tinha relevância para a economia brasileira. A atual diretoria do BC não ousou sequer adaptar o modelo de ata do Copom herdado da gestão anterior à realidade atual.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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