São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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FINANÇAS

Escritório do banco no Brasil é suspeito de enviar remessas ilegais para a Europa; operação teria comando de um doleiro "titular"

Credit Suisse tinha doleiro "oficial", diz PF

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Polícia Federal já tem informações de que o escritório de "private banking" do Credit Suisse em São Paulo operava com doleiros para enviar recursos para a Suíça. Não eram doleiros quaisquer, segundo informações obtidas pela Folha com informantes da polícia. Havia o posto de doleiro oficial. Ele era ocupado até fevereiro deste ano por Marco Antonio Cursini, que já responde a um processo na Justiça Federal por lavagem de dinheiro.
Cursini é conhecido pela PF desde o final dos anos 90, quando a CPI do Banestado começou a investigar remessas ilegais feitas a partir de Foz de Iguaçu e identificou uma das contas que ele operava em Nova York no Merchants Bank. Em dezembro último, a Força-Tarefa CC-5, integrada pelo Ministério Público Federal e a Polícia Federal, pediu o bloqueio de US$ 381.187,91 que Cursini tinha em nome da empresa Goldrate no Merchants Bank. Não é possível saber se o valor foi bloqueado porque o processo corre sob segredo de Justiça.
Esse montante é uma mixaria perto do volume que os doleiros brasileiros movimentaram no Merchand entre 1998 e 2002, de acordo com números que a força-farefa obteve com procuradores de Nova York: US$ 18 bilhões passaram por esse banco em apenas quatro anos, só contabilizadas aí as remessas ilegais feitas a partir do Brasil.

A conta Gelateria
Os clientes do Credit Suisse eram enviados para o doleiro cursini pelo gerente-geral do escritório de São Paulo, o luso-suíço Carlos Martins, segundo a apuração preliminar da PF. Clientes do banco confirmaram para a Folha que essa era a sistemática.
O escritório de Cursini, no Itaim-Bibi, na zona oeste de São Paulo, era estrategicamente perto do Credit Suisse, localizado na área mais nobre da avenida Faria Lima.
Era ali que os clientes do Credit conheciam o esquema do doleiro. Cursini tinha contas no Bank Hoffman de Zurique, de onde repassava as remessas dos clientes brasileiros para a sede do Credit, na Suíça.
Os nomes das contas escolhidos por Cursini expõem uma certa veia cômica do doleiro. A primeira das contas que abriu no Bank Hoffmam chamava-se Gela, uma referência aparente ao dinheiro frio de sua clientela.
Os usuários mais freqüentes de doleiros são empresários que usam caixa dois para escapar do pagamento de impostos. Mas outros tipos de recursos ilícitos saem do país por meio dessas remessas ilegais. Entram nessa categoria o dinheiro de traficantes de drogas e de armas e de organizações que se dedicam ao roubo de cargas e roubo a banco.
Posteriormente, a conta Gela foi rebatizada com o nome de Gelateria -sorveteria em italiano.
Oficialmente, Cursini é criador de gado de altíssimo nível. Já ganhou prêmios com as vacas "limousin" que cria em sua fazenda em Itapetininga, no interior de São Paulo.
Teve uma celebridade fugaz no ano passado quando o doleiro Antonio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, contou que Cursini era o doleiro que trabalhava para Márcio Thomaz Bastos quando era advogado. Claramunt, que afirmava ter ouvido essa informação do próprio Cursini, recuou e disse que não tinha provas do que havia falado.
A Polícia Federal tem indícios de que Carlos Martins, o chefe do escritório do Credit, recebia comissão de Cursini pelos clientes que lhe enviava.
Alberto Zacharias Toron, advogado de Martins, diz que é "absurda" a acusação de que o gerente tinha relações com doleiros. De acordo com ele, Martins é um profissional do mercado financeiro com trânsito internacional (leia texto abaixo).
Não havia muita discrição na relação entre o escritório do Credit Suisse e o doleiro. Tanto que a PF já recebeu mensagens iradas de ex-funcionários do escritório relatando que Martins feria normas pétreas do Credit Suisse ao recorrer a doleiros para fazer as remessas.
O porta-voz dos escritórios de "private banking" do Credit Suisse nas Américas, David Walker, informou, a partir de um questionamento da Folha, que o banco proíbe "estritamente" que seus funcionários mantenham relações com doleiros.

Prisão no aeroporto
A PF começou a investigar o escritório do Credit Suisse em São Paulo a partir de informações anônimas de uma pessoa que conhecia em detalhes o esquema de remessa ilegal de recursos por meio desse banco.
Em 21 de março, fez uma operação de busca e apreensão no escritório do Credit e na casa de quatro gerentes. No dia seguinte, a PF prendeu numa sala VIP do aeroporto de Cumbica o economista suíço Peter Schaffener, um dos gerentes do Credit Suisse em Zurique, sob a acusação de que ele tentava fugir do país para escapar das investigações sobre remessas ilegais.
Para evitar eventuais fugas, a Justiça determinou a apreensão dos passaportes de seis gerentes do Credit Suisse, inclusive o de Carlos Martins.


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