São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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ARTIGO

Avanço do setor financeiro é ameaça para estabilidade

ANDREW GLYN
DO "FINANCIAL TIMES"

Adam Smith descreveu o dinheiro como "a grande roda da circulação". Na medida em que facilita a expansão econômica, o sistema financeiro desempenha seu papel na elevação dos padrões de vida. Os bancos sempre receberam seu quinhão por exercer essas funções. Nas últimas décadas, porém, o quinhão deles vem crescendo de maneira dramática. Nos anos 1950 e 1960 as companhias financeiras americanas receberam entre 10% e 15% dos lucros das empresas; hoje, porém, ficam com 30% a 40% do total. Se forem incluídos os lucros das atividades financeiras das empresas industriais e comerciais, o setor financeiro, nesse sentido mais amplo, dentro em breve poderá ser responsável pela maior parte dos lucros de empresas nos EUA.
Essa tendência de o setor financeiro crescer muito mais rapidamente do que a economia "real" também se evidencia no Reino Unido e em outros países. O que está sendo dado em troca da absorção de uma parcela crescente dos recursos da sociedade, especialmente dos trabalhadores altamente qualificados?

Consumo
Nos últimos tempos os consumidores americanos vêm fortalecendo a expansão da economia mundial, e a crescimento do crédito a consumidores e de hipotecas vem desempenhando papel decisivo na elevação do consumo americano a tal ponto que as famílias já deixaram de poupar. Mas aquilo que o setor financeiro dá, ele também pode tirar. O crédito ao consumidor pode afastar as recessões, quando a concessão de crédito permite aos consumidores continuar a gastar, mesmo quando o crescimento de sua renda se desacelera. Mas também pode agravar as recessões, se os consumidores forem forçados a saldar suas dívidas num momento de baixa, como mostraram os exemplos de países como a Suécia e o Reino Unido no início dos anos 1990.
Supõe-se que um sistema financeiro sofisticado incentive o acúmulo de capital. Os investimentos reais maciços em telecomunicações feitos durante o boom da Internet parecem constituir ótimo exemplo disso. Entretanto, até 2002, menos da metade da capacidade dos EUA em telecomunicações estava sendo utilizada.

Estoque de capital
Depois da queda, o crescimento do estoque de capital nos EUA sofreu uma redução mais marcante do que em qualquer recessão desde a 2ª Guerra Mundial. Desde 2000, em todos os países que integram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, o estoque de capital mal vem conseguindo crescer 2% ao ano. É um índice que não chega à metade daquele registrado nos anos 1960, quando o setor financeiro era contido por restrições fortes, e inferior ao da década de 1970, época em que as condições macroeconômicas eram turbulentas.
A City de Londres ocupa uma posição especial no Reino Unido. O setor dos serviços financeiros freqüentemente é alardeado como fator chave na balança de pagamentos, ajudando a preencher a brecha deixada pelo enfraquecimento do setor manufatureiro. Na realidade, porém, essa contribuição é modesta. Em 2005, os ganhos no exterior com o fornecimento de serviços de seguros, bancários e outros financeiros chegaram a cerca de 21 bilhões de libras (US$38 bilhões), apenas um décimo dos ganhos obtidos com a exportação de bens.
Deixando todos esses temores de lado, a última década teve o crescimento de produção menos volátil de qualquer década desde 1950. Será que isso refuta o argumento segundo o qual a ascensão do setor financeiro encerra a ameaça de instabilidade econômica maior? Tal conclusão seria demasiado complacente. As próprias condições econômicas estáveis incentivam a tomada de riscos maiores. A inovação financeira pode ter engrossado o elástico financeiro, mas este vem sendo esticado cada vez mais. Quem pode ter a certeza de que em algum momento ele não vai se partir?


Andrew Glyn leciona economia na Universidade Oxford

Tradução de Clara Allain


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