São Paulo, quarta-feira, 30 de abril de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Levantou poeira


Cenário econômico fica mais nublado. No mundo da lua do prestígio, governo se dedica a 2010 e a negócios privados

O CÉU DA economia brasileira começou a ficar ligeiramente nublado. Os números da inflação, das contas externas e dos gastos extras planejados pelo governo levantaram poeira no caminho adiante. São nuvens esparsas, como diz a meteorologia, até relativamente escassas, dados a quantidade ainda restante de problemas estruturais no país e o tamanho da confusão no mundo. Como a economia conta com amortecedores como reservas de US$ 195 bilhões e câmbio flutuante, a poeira das más notícias recentes não deve nos intoxicar de uma hora para outra. Mas cresce o risco de tosses e faltas de ar.
O grosso da inflação ainda se deve ao preço da comida, mas o preço da comida não cede. Na verdade, os aumentos se generalizaram, para vários tipos de alimentos, e não apenas para aqueles "chocados", como leite ou feijão. O preço de outras matérias-primas também se animou, e a inflação de bens industriais, embora bem menor, continua a se acelerar. O câmbio, a valorização do real, desde o final de 2007 parecia não dar mais conta de compensar parte do aumento de preços importado.
Agora, o fortalecimento do real foi de fato atropelado pela velocidade do aumento de preços de bens ditos "comercializáveis", os influenciados pelas cotações externas. Mesmo a alta do real em relação ao dólar ficou em xeque devido ao rápido aumento do déficit nas transações correntes e à provável pausa, se não interrupção, na derrocada do dólar.
Devido a tudo isso, deve restar uma inflação mais chata do que era razoável prever até o início do ano. Talvez até o Banco Central tenha sido otimista ao afirmar, quando comunicou o aumento de juros, que o meio ponto percentual de acréscimo era parte "relevante" de um ajuste desta vez mais rápido na Selic. É verdade que, apesar do seu salto meio dramático, o futuro do déficit em conta corrente ainda é incerto.
Em tese, a balança comercial deveria mostrar alguma recuperação nos trimestres centrais do ano; não se sabe se a remessa de lucro continuará tão violenta. Etc. Mas a inflação será um problema renitente. O governo vive no mundo da lua da popularidade de Lula. Planejou gastos na medida do aumento da arrecadação, que por ora cresce num ritmo duas vezes e meia mais rápido que o do PIB previsto para 2008.
Aliás, a receita federal desacelerou um pouco em março, no acumulado de 12 meses, depois de ter chegado ao ritmo extravagante de mais de 12% de crescimento em fevereiro.
Isto posto, o governo não parece nem um pouco preocupado em tomar medidas de prudência, afora deixar o BC relativamente solto, BC que, no entanto, não pode cuidar de estabilizar a economia sozinho sem provocar excesso de danos colaterais. O governo não se preocupa em colaborar para reduzir o ritmo da demanda e o risco de inflação; para conter o risco de disparada do déficit externo ou para controlar a dívida pública (que cai apenas e pouco devido ao efeito inércia da bonança, e não ao esforço oficial). Quanto a projetos para o futuro, mudanças institucionais, então, nem se fale.
O governo parece dedicado apenas a redesenhar a posse do grande capital privado, a colocar cunhas estatais onde elas não são mais necessárias e às politiquices de 2010.

vinit@uol.com.br


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