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OPINIÃO ECONÔMICA
Energia: remédios imprevidentes
PAULO RABELLO DE CASTRO
O erro médico costuma ser
pior que a doença. A crise
energética ameaça repetir outros
exemplos recentes de que o governo erra mais por impor soluções
equivocadas do que por deixar a
sociedade buscar seus caminhos.
Certamente o governo errou mais
pelos efeitos dos planos heterodoxos (Cruzado, Verão, Collor) que
aplicou no "combate" à inflação,
na década de 80, do que pelas distorções decorrentes da própria escalada dos preços.
Os custos associados à má gestão de uma crise na economia
costumam ser enormes, até por
acentuar alguns dos seus piores
efeitos negativos, como o desemprego. A gestão equivocada da inflação por meio de tabelamentos
e a mobilização da população para vigiar etiquetas de preços em
supermercados trouxeram resultados totalmente contrários aos
planejados pelos governantes,
que, no entanto, almejavam só o
"bem" da população e uma distribuição mais equitativa do esforço
de combate à alta dos preços, com
os ricos e os empresários contribuindo para aliviar os pobres e
desempregados. Ao final do exercício heróico de tabelamento, não
só havia mais pobres e desempregados como também conseguimos reduzir o número de ricos e
de empresários!
De erro em erro, nosso país foi
ficando cada vez mais vacinado
contra medidas burras e intolerantes, a inflação ficou cada vez
mais alta, e a nossa gente, cada
vez mais pobre. Foi preciso que o
Plano Real viesse com uma fórmula de bom senso para dominar
o monstro da inflação: deixar os
estímulos do mercado funcionar.
No episódio da crise de energia,
o governo parece firmemente decidido a repetir os erros intervencionistas dos anos 80. Quer testar
de novo a lei da gravidade contra
toda a evidência a favor dessa.
Evita a solução mais fácil e de
efeitos alocativos corretos, que seria a de flexibilizar ao máximo as
soluções dadas pelos próprios
consumidores diante de cada particular problema de contenção de
gasto energético.
Em defesa da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica,
no entanto, é importante lembrar
que essa recuou, por enquanto, da
alternativa dos apagões -com
certeza, a opção mais paralisante
dos negócios- para tentar explorar outros caminhos menos radicais. Apagão e tabelamento de
preços são medidas cegas, cujos
benefícios raramente superam as
sequelas que trazem. Por outro
lado, muito mais há para ser explorado em termos de criatividade e de capacidade de adaptação
dos consumidores de energia. A
evidência disso está nos surpreendentes índices de redução do consumo já observados na partida
dos primeiros dias de adaptação
à crise.
Ainda para evitar a truculência
dos cortes, encontra-se em fase de
estudos, pelo Instituto Atlântico,
a proposta de emissão de um
"certificado de poupança de energia", a ser recebido pelo consumidor com sua conta de luz, devolvendo-se a ele, em kWh "de papel", o equivalente a sua economia de energia ou a uma fração
dessa. Esses certificados seriam
negociáveis e vendidos pelos mais
poupadores aos mais gastadores
ou ainda àqueles que tivessem
impossibilidade de economizar
ou que estivessem na contingência de ter de incrementar seu consumo de energia por qualquer
motivo particular, inclusive a expansão do seu negócio.
O preço de mercado dos "certificados" traria para todos a sinalização correta sobre a suficiência
ou não da economia de energia
feita pelo conjunto da sociedade.
Quanto mais gastadores aparecessem, mais caro ficaria o preço
dos "certificados", estimulando os
poupadores a economizar ainda
mais. E, quanto mais alto o preço
do "certificado", mais forte seria a
sinalização para os gastadores
buscarem outros caminhos.
A opção de emitir "certificados", mesmo com possíveis imperfeições nos seus critérios de emissão, será muito menos agressiva a
todos, aproximando-se, aliás, do
conceito já praticado no mercado
atacadista de energia (o MAE).
Embora os certificados possam
vir a representar uma ferramenta
útil no estímulo à economia de
energia, não poderia ser dispensado o ajuste para cima e universal das tarifas. A outra dimensão
esquecida dessa crise é, sem dúvida, a do balanço das empresas
que compram e vendem energia,
cuja saúde financeira poderá ficar gravemente comprometida, à
parte os efeitos da alta de juros e
câmbio, se suas reduzidas projeções de vendas não forem, pelo
menos em parte, compensadas
por algum mecanismo de reajuste
de preços.
Além da emissão de "certificados" e do inevitável reajuste tarifário, um terceiro caminho na crise de energia aponta para a absoluta necessidade de flexibilização
das regras de contratação da
mão-de-obra. A crise de energia
terá trazido ao país um grande
benefício imprevisto se novos instrumentos legais puderem substituir a rigidez da contratação do
trabalho pelo regime da envelhecida CLT. Governo e representantes dos trabalhadores devem encarar a sério essa alternativa.
Paulo Rabello de Castro, 52, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras,
a cada 15 dias, nesta coluna.
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