São Paulo, quarta-feira, 30 de maio de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

Energia: remédios imprevidentes

PAULO RABELLO DE CASTRO

O erro médico costuma ser pior que a doença. A crise energética ameaça repetir outros exemplos recentes de que o governo erra mais por impor soluções equivocadas do que por deixar a sociedade buscar seus caminhos. Certamente o governo errou mais pelos efeitos dos planos heterodoxos (Cruzado, Verão, Collor) que aplicou no "combate" à inflação, na década de 80, do que pelas distorções decorrentes da própria escalada dos preços.
Os custos associados à má gestão de uma crise na economia costumam ser enormes, até por acentuar alguns dos seus piores efeitos negativos, como o desemprego. A gestão equivocada da inflação por meio de tabelamentos e a mobilização da população para vigiar etiquetas de preços em supermercados trouxeram resultados totalmente contrários aos planejados pelos governantes, que, no entanto, almejavam só o "bem" da população e uma distribuição mais equitativa do esforço de combate à alta dos preços, com os ricos e os empresários contribuindo para aliviar os pobres e desempregados. Ao final do exercício heróico de tabelamento, não só havia mais pobres e desempregados como também conseguimos reduzir o número de ricos e de empresários!
De erro em erro, nosso país foi ficando cada vez mais vacinado contra medidas burras e intolerantes, a inflação ficou cada vez mais alta, e a nossa gente, cada vez mais pobre. Foi preciso que o Plano Real viesse com uma fórmula de bom senso para dominar o monstro da inflação: deixar os estímulos do mercado funcionar.
No episódio da crise de energia, o governo parece firmemente decidido a repetir os erros intervencionistas dos anos 80. Quer testar de novo a lei da gravidade contra toda a evidência a favor dessa. Evita a solução mais fácil e de efeitos alocativos corretos, que seria a de flexibilizar ao máximo as soluções dadas pelos próprios consumidores diante de cada particular problema de contenção de gasto energético.
Em defesa da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, no entanto, é importante lembrar que essa recuou, por enquanto, da alternativa dos apagões -com certeza, a opção mais paralisante dos negócios- para tentar explorar outros caminhos menos radicais. Apagão e tabelamento de preços são medidas cegas, cujos benefícios raramente superam as sequelas que trazem. Por outro lado, muito mais há para ser explorado em termos de criatividade e de capacidade de adaptação dos consumidores de energia. A evidência disso está nos surpreendentes índices de redução do consumo já observados na partida dos primeiros dias de adaptação à crise.
Ainda para evitar a truculência dos cortes, encontra-se em fase de estudos, pelo Instituto Atlântico, a proposta de emissão de um "certificado de poupança de energia", a ser recebido pelo consumidor com sua conta de luz, devolvendo-se a ele, em kWh "de papel", o equivalente a sua economia de energia ou a uma fração dessa. Esses certificados seriam negociáveis e vendidos pelos mais poupadores aos mais gastadores ou ainda àqueles que tivessem impossibilidade de economizar ou que estivessem na contingência de ter de incrementar seu consumo de energia por qualquer motivo particular, inclusive a expansão do seu negócio.
O preço de mercado dos "certificados" traria para todos a sinalização correta sobre a suficiência ou não da economia de energia feita pelo conjunto da sociedade. Quanto mais gastadores aparecessem, mais caro ficaria o preço dos "certificados", estimulando os poupadores a economizar ainda mais. E, quanto mais alto o preço do "certificado", mais forte seria a sinalização para os gastadores buscarem outros caminhos.
A opção de emitir "certificados", mesmo com possíveis imperfeições nos seus critérios de emissão, será muito menos agressiva a todos, aproximando-se, aliás, do conceito já praticado no mercado atacadista de energia (o MAE). Embora os certificados possam vir a representar uma ferramenta útil no estímulo à economia de energia, não poderia ser dispensado o ajuste para cima e universal das tarifas. A outra dimensão esquecida dessa crise é, sem dúvida, a do balanço das empresas que compram e vendem energia, cuja saúde financeira poderá ficar gravemente comprometida, à parte os efeitos da alta de juros e câmbio, se suas reduzidas projeções de vendas não forem, pelo menos em parte, compensadas por algum mecanismo de reajuste de preços.
Além da emissão de "certificados" e do inevitável reajuste tarifário, um terceiro caminho na crise de energia aponta para a absoluta necessidade de flexibilização das regras de contratação da mão-de-obra. A crise de energia terá trazido ao país um grande benefício imprevisto se novos instrumentos legais puderem substituir a rigidez da contratação do trabalho pelo regime da envelhecida CLT. Governo e representantes dos trabalhadores devem encarar a sério essa alternativa.


Paulo Rabello de Castro, 52, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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