São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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POLÍTICA MONETÁRIA

Assim que volatilidade do mercado diminuir, Banco Central quer recompor reservas, afirma diretor

Governo planeja retomar compra de dólar

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O diretor de Política Monetária do Banco Central, Luiz Augusto Candiota, diz que, assim que diminuir a volatilidade no mercado financeiro, o governo retomará sua política de comprar dólares para recompor as reservas. Leia a seguir a entrevista concedida à Folha. (LEONARDO SOUZA)
 

Folha - Na ata do Copom, o BC pareceu demonstrar pouca preocupação com a alta do dólar e do preço do petróleo nas últimas semanas. Quinta-feira foi divulgado o IGP-M [Índice Geral de Preços do Mercado] deste mês [1,31%], acima do que esperava o mercado financeiro. Isso não aumenta a preocupação com a inflação?
Luiz Augusto Candiota -
A ata procura trazer questão importante que diz respeito à temporalidade. Nós não atribuímos à subida do preço do petróleo e à recente subida do dólar um fator permanente. Estamos olhando os recentes acontecimentos em relação às commodities [produtos básicos], o petróleo em particular, o comportamento do dólar e as demais variáveis para podermos tirar um entendimento do quão temporário esses ajustes de preços serão.

Folha - Se ficar configurado um choque de oferta, o BC procuraria acomodar esse choque ou ainda assim perseguiria o centro de meta?
Candiota -
É importante lembrar que as bandas são feitas para acomodar choques de oferta típicos, quando de caráter permanente. Portanto o sistema de metas já contempla essa hipótese por si só. O que precisamos avaliar é o caráter temporal do ajuste de preços.

Folha - Ou seja, caracterizado o efeito permanente do choque, o BC utilizaria a margem de tolerância?
Candiota -
Essas [petróleo e dólar] não são as únicas coisas que impactam a inflação. Podemos ter efeitos contrários, como [queda] nos preços agrícolas, nas tarifas.

Folha - Se houver um fator de pressão sobre a inflação de um lado, mas outros que o contrabalancem, o BC pode não precisar ter de acomodar esse choque de oferta?
Candiota -
É exatamente a análise que é feita todos os meses nas reuniões do Copom. Da mesma forma que você teve no ano passado um movimento de valorização do real, você observou nos últimos meses um movimento contrário. Observamos também um arrefecimento nos preços das commodities, assim como notícias mais recentes de um certo arrefecimento também no preço do petróleo.

Folha - O discurso do presidente do BC tem sido o de que a economia brasileira está muito mais sólida hoje para suportar turbulências externas do que no passado. A volatilidade no mercado, causada por fatores externos, foi a justificativa dada na última ata do Copom para a interrupção no corte de juros. Não há aí uma contradição?
Candiota -
Não há nenhuma contradição. Na ata está bem descrito que, de fato, a economia brasileira está mais preparada para enfrentar turbulências externas e movimentos de mercado abruptos. Mas temos de lembrar que toda turbulência externa aumenta o grau de incertezas. À medida que o tempo vai passando, as incertezas vão se dissipando e a fotografia se torna mais clara para que nós possamos tomar a decisão num quadro de certezas maiores.

Folha - Muitos analistas entenderam que o BC admitiu na ata o abandono do centro da meta deste ano. Essa leitura está correta?
Candiota -
A ata não disse isso. O que ata disse foi uma questão factual, fazendo projeções de cenários. Num desses cenários, a inflação ficaria ligeiramente acima da meta caso fossem mantidos os juros [em 16% ao ano] e o dólar no patamar da véspera do Copom [R$ 3,10]. A ata levantou também um outro cenário, para o segundo semestre deste ano e o primeiro de 2005, que mostra trajetória benigna para a inflação com relação às metas de 2004 e 2005. Em momento nenhum dissemos que abandonamos o centro da meta. O sistema de metas, em definido o caráter permanente do choque de ofertas, é passível de absorção desse impacto no nível de preços. Para isso a existência das bandas.

Folha - Não é um problema que o cenário aponte para inflação acima da meta?
Candiota -
Não é, porque, se ficar caracterizado como um choque de ofertas permanente, o sistema de metas é para absorver isso.

Folha - Desde que o sistema de metas de inflação foi implantado [1999], nós nunca tivemos taxa de juros reais abaixo de 10% por um período prolongado. O país está preparado para ter juros reais [descontada a inflação] abaixo de 10%?
Candiota -
A questão da taxa de juros real depende, de fato, da capacidade da economia brasileira em incrementar seus investimentos. Com o crescimento dos investimentos, da produtividade, do nível de poupança e a realização das reformas previstas... À medida que esses desafios vão se consolidando, não há por que não acreditar que num horizonte longo de tempo nós não possamos conviver com taxas de juros reais mais baixas.

Folha - Como anda o plano do BC de comprar dólares?
Candiota -
A política de aquisição de reservas do governo continua de pé. Entendemos que, à medida que tivermos condições adequadas de mercado e condições adequadas de volatilidade, não há por que não retomar a acumulação de reservas.

Folha - Qual o grau de importância atribuído pelo BC à necessidade de formação de reservas internacionais para não precisar renovar o acordo com FMI?
Candiota -
Quando fizemos a projeção de balanço de pagamentos para 2004, no final de 2003, as projeções consideradas para o final deste ano eram de reservas líquidas da ordem de US$ 20 bilhões. Naquela época, já se falava em sair do acordo com o FMI ao final do ano. Essa é uma decisão que será tomada pelo governo. Quero dizer que o nível de reservas que já temos hoje é o que está projetado para o final do ano. Estamos com US$ 21 bilhões de reservas líquidas.


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