São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Agenda do crescimento sustentado

ALOIZIO MERCADANTE

Há várias formas de ler o crescimento econômico no primeiro trimestre de 2004: a otimista, que projeta o ritmo de 1,6% para os próximos trimestres e chega ao impressionante número de 6,6% para o ano, e a pessimista, que considera a recuperação apenas um efeito estatístico sobre uma base deprimida.
É importante buscar o equilíbrio nesse debate. Não há motivos para a euforia, tampouco para o desânimo. Os números dos últimos três trimestres indicam que a economia já responde a importante queda dos juros reais realizada a partir do segundo semestre de 2003 e aos bons resultados do comércio exterior. Crescimento sobre crescimento, em apenas três trimestres chegamos a um acumulado de 3,6%, já acima da previsão de um PIB 3,5% maior em 2004.
No entanto, recuperação não implica crescimento sustentado inexorável. Para isso, são necessárias adequações tanto dos parâmetros da política macroeconômica como das normas institucionais. Na pauta do Congresso, há importantes projetos que contribuirão para esse esforço de crescimento: incentivos à construção civil, a votação das Parcerias Público-Privadas (PPPs), da Lei de Falências, da Lei de Biossegurança, da Reforma Tributária. Há também as propostas de recuperação da malha rodoviária do país e eventualmente novos incentivos fiscais focados, a exemplo daqueles descontinuados recentemente para a indústria automobilística e de eletroeletrônicos, que tanto contribuíram para os bons resultados alcançados no crescimento.
Também não podemos deixar de considerar a política monetária e seus efeitos sobre o crescimento. A redução dos juros básicos de 26,5% para 16,5% em 2003 e a concomitante queda dos juros reais foram fundamentais para a recuperação do PIB. Já, em 2004, podemos terminar o semestre com uma modesta queda de meio ponto percentual na Selic, que pode pôr em risco o ritmo do crescimento atual. Dessa forma, continuar o debate sobre a política de metas de inflação é fundamental.
Quando teve de abandonar a desastrosa aventura da âncora cambial, a autoridade monetária encontrou nas metas de inflação uma nova âncora nominal. No entanto traçou uma trajetória de desinflação influenciada pelo "sucesso" do populismo cambial, que tornou barato até o caviar russo, mas a um custo gigantesco de empregos no país.
Sob essa influência, as metas no período de 1999 a 2003 foram estabelecidas, sucessivamente, seguindo uma redução do IPCA de 8% no primeiro ano para 3,25% no último. Um corte em mais da metade, com o respeitável propósito de mostrar um compromisso inadiável e necessário com a estabilidade.
A questão é que a adoção do câmbio flutuante, em um contexto de vulnerabilidade externa, sinalizava turbulências recorrentes à nossa frente. Um vôo sem solavancos exigiria uma rota mais longa para a cidadela da estabilidade. No entanto isso não foi feito e atravessamos diretamente por um cenário internacional dos mais sérios -pelos escândalos das fraudes contábeis nas grandes corporações americanas, pelo "default" argentino, pela Guerra do Iraque e seus efeitos no petróleo-, buscando demolir a inflação rapidamente.
Lições dessa experiência, ainda recente, com a política monetária de metas de inflação são necessárias. Buscar uma desinflação rápida, mas improvável, não corrói a credibilidade da autoridade monetária? Podem os formadores de preços tomar as metas como referência se, por experiência, percebem que o Banco Central será incapaz de realizá-las? Não está sendo muito elevado o custo econômico e social para forçar uma convergência da inflação para a meta, em circunstâncias tão adversas?
A nossa proposta de adoção de uma meta de inflação de longo prazo de 5,5% não é uma afronta ao princípio da inconsistência dinâmica. Pelo contrário, é uma forma de assumir compromissos que podem e devem ser cumpridos. Mudar a meta, assumindo de forma pública, transparente e desinteressada seu debate, só pode ampliar a convicção dos agentes econômicos de que a autoridade monetária não está mudando as regras do jogo, mas apenas tornando seus objetivos mais razoáveis e palpáveis, à luz da reflexão rigorosa.
A tese de adotar a meta de 2005 para o longo prazo é ponderável, mas tardia, pois os choques adversos em andamento, previstos em artigos anteriores, pressionam o câmbio e o preço de insumos básicos, com efeitos sobre a inflação brasileira. Dessa forma, está sendo rápida a revisão das projeções de mercado para a inflação de 2004 e de 2005, que já estão acima das metas em ambos os anos.
Se o BC for buscar a meta de 4,5%, considerando o demorado processo de transmissão da política monetária para a demanda agregada e, no final, para os preços (ou mesmo do câmbio para os preços), os juros nominais mudarão em breve sua trajetória para cima, abortando o processo de recuperação da economia.
Não há tempo a perder. O esforço fiscal que o governo vem realizando poderá tornar-se estéril e até insustentável se a política monetária continuar a sofrer da síndrome do "timing" perdido.


Aloizio Mercadante, 50, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do governo no Senado Federal.

Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br


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