São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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TERRA DE ENDIVIDADOS

Entidades de defesa atuam em escritórios de advocacia, que buscam captar clientela irregularmente

Advogados atraem clientes de associações

DA REPORTAGEM LOCAL

Criadas para esclarecer e apoiar os consumidores com pendências ou dúvidas, as associações de defesa viraram prato cheio para alguns advogados captarem clientes de forma irregular. Essa situação incomoda as entidades que atuam de forma correta e é vista com repúdio pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
"Há células de entidades de defesa montadas dentro de escritórios particulares que captam clientela", disse Fernando Kosteski, diretor da Adoc, entidade de defesa do consumidor que opera nesse segmento desde 1976.
Há escritórios de advocacia que operam na área, mas dizem não ter condições de investir na abertura de um posto de atendimento da associação. Os advogados acabam, portanto, trabalhando pela entidade no próprio escritório. Com isso, elevam o trânsito de clientes no seu local de trabalho.
No entanto, como as associações, em sua maioria, não representam clientes em ações individuais, o profissional oferece seus préstimos para representar o consumidor em processos desse tipo.
Na prática, porém, o que deveriam fazer é prestar esclarecimentos e oferecer ajuda para dar entrada numa ação coletiva. E, caso a queixa fosse mesmo individual, indicar diferentes advogados ao consumidor, que faria a escolha.
Há um ano, o presidente da Andif (Associação Nacional de Defesa dos Consumidores do Sistema Financeiro), Aparecido Donizete Piton, decidiu fechar 40 de 62 escritórios regionais que foram alvo de denúncia dos consumidores por prática irregular.
"Descobrimos que advogados das regionais estavam cobrando honorários como se estivessem num escritório privado de advocacia, o que é ilegal", afirma Piton.
A Andif tem 20 mil associados. Quando questionado sobre o valor da contribuição individual, Piton informou que ele é de R$ 60 por mês. Em uma segunda conversa por telefone, questionado se isso significava que a associação tinha ganhos brutos de R$ 1,2 milhão por mês, ele disse que não. Explicou que, na verdade, há associados que pagam menos de R$ 60 e que 47% estão inadimplentes.
A Folha localizou associações cujos telefones estão registrados no nome de escritórios de advocacia. É o caso da Abracon (Associação Brasileira do Consumidor). Denise Sedlacek, advogada da entidade no Sul, diz que atende a consumidores em seu escritório, mas nega irregularidades.
Na avaliação da OAB, cabe ao Ministério Público fiscalizar as associações. "Advogados que, porventura, usam a associação para conseguir clientes fazem o que chamamos de captação indevida, uma falta grave", afirma José Eduardo Tavorieli de Oliveira, membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP.
"Há associações que querem se dar bem pelo dinheiro", diz Rosana Grinberg, presidente da Adecon (Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor).
Entre seis entidades ouvidas, todas cobram taxa de anuidade de associados -que varia de R$ 35 a R$ 720. Em alguns casos, a cobrança é feita mensalmente.
Por lei, elas não podem ter fins lucrativos e, em alguns casos, recebem do poder municipal o título de órgão de utilidade pública.
Com quatro anos de vida, a ABC (Associação Brasileira do Consumidor) afirma ser uma ONG (organização não-governamental) sem fins lucrativos que se mantém com apoio de associados. Ela cobra uma taxa "para sobreviver", diz. Explica-se: se o consumidor sai vencedor numa ação movida pela associação, ela recebe 15% do valor da diferença.
Segundo Ricardo Morishita, da SDE (Secretaria de Direito Econômico), a cobrança de contribuições é legal desde que prevista no estatuto das associações.
(ADRIANA MATTOS E ÉRICA FRAGA)


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