São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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TERRA DE ENDIVIDADOS

Escritórios "caçam" consumidor no vermelho com ofertas, às vezes ilusórias, de renegociação dos débitos

"Indústria da inadimplência" cresce no país

ÉRICA FRAGA
ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Em busca de ajuda para resolver pendências financeiras, muitos brasileiros têm sido lesados. Com a inadimplência desenfreada dos últimos anos, vem ocorrendo uma forte expansão na oferta de serviços de defesa do consumidor por associações e escritórios de advocacia. O problema é que existem casos freqüentes de publicidade enganosa, cobranças indevidas e outras ilegalidades.
"O Código de Defesa do Consumidor é recente e acabou virando um filão de trabalho para uma gama de advogados. Há muitas entidades sérias e, infelizmente, há outras que cometem irregularidades", afirma Paulo Valério, procurador de Justiça do Centro de Apoio de Defesa do Consumidor do Rio Grande do Sul.
A grande oferta desses serviços tem resultado em uma avalanche de ações na Justiça, que incluem denúncias contra telefônicas, construtoras e incorporadoras, planos de saúde e, principalmente, instituições financeiras. Atualmente, entre 80% e 90% dos casos de direito privado que transitam pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) por mês são relacionados à revisão de contratos bancários. Isso representa uma média de 4.800 a 5.400 processos por mês.
A jurisprudência favorece os bancos em várias questões. Mas muitas ações propostas pelos advogados de associações e escritórios se baseiam, justamente, nas teses já derrubadas pela Justiça.
A Folha teve acesso a processos recentes nos quais um dos argumentos que fundamentam a ação é o parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal, que limitava a cobrança de juros remuneratórios a 12% ao ano, mas que já foi derrubado por emenda constitucional em maio de 2003. "Há casos de associações que entram com pedido inócuo na Justiça, baseado em pontos que não têm respaldo legal", afirma Olimpio Campinho, promotor de Justiça do consumidor na Bahia.

Publicidade
Por trás disso, há outra questão ainda mais grave: há advogados e associações que fazem publicidade enganosa. Prometem, em anúncios de jornais e panfletos, descontos específicos em ações de revisão de contratos bancários.
"A obrigação do advogado é a de oferecer meios, não de prometer ganhos de causa. Ele não pode prometer resultado porque não pode prever decisão da Justiça. Então, vira publicidade enganosa", afirma Valério.
Essa é uma das principais irregularidades identificadas pelo Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, onde tramitam ao menos sete inquéritos civis contra escritórios de advocacia que prestam serviços ao consumidor.
Jornais do Estado têm vários anúncios de escritórios que prometem aos eventuais clientes desde revisões contratuais até anulação de multas de trânsito.
O advogado Nórton Lacerda, de Porto Alegre, anuncia em jornais "até 75% de redução nas prestações e saldo devedor".
"Fazemos uma ação com pedido de tutela antecipada, para o cliente ficar livre do Serasa e do SPC [Serviço de Proteção ao Crédito]. Todos os bancos têm "abusividade", fazem capitalização mensal ou até diária", afirma.

Mensalidades
Outro aspecto que tem incomodado os ministérios públicos é a cobrança, por parte de escritórios de advocacia, de taxas mensais durante o período em que um processo tramita na Justiça.
"A cobrança mensal é algo um pouco insólito para alguém que pretende conseguir êxito. Afinal, enquanto o processo estiver tramitando, o escritório ganha", diz o promotor Paulo Valério.
Segundo ele, no caso das associações, a cobrança mensal é aceitável porque elas dependem dessa taxa para manter seu funcionamento. Mas os escritórios de advocacia deveriam se limitar à cobrança de, no máximo, uma taxa no início do trabalho e um percentual em caso de vitória.
Apesar dos diversos problemas recentes, representantes dos consumidores ligados a órgãos públicos fazem questão de enfatizar que há muitas entidades que têm feito bom trabalho. "Quanto mais associações de defesa do consumidor existirem, menos a população depende do Estado para se defender", afirma Campinho.
Ricardo Morishita, diretor do departamento jurídico de defesa do consumidor da Secretaria de Direito Econômico, diz que o objetivo de uma associação desse tipo não deve se reduzir a uma simples prestação de serviço: "A finalidade delas é a luta pelos direitos do consumidor, a educação, a orientação. E muitas fazem isso".


Colaborou Léo Gerchmann, da Agência Folha, em Porto Alegre


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