São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

INTEGRAÇÃO

Para negociador europeu, sul-americanos erram ao esperar que bloco ceda mais na área agrícola após concessões para Doha

UE vê equívoco na postura do Mercosul

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

União Européia e Mercosul marcaram para o início de setembro deste ano em Bruxelas, Bélgica, a próxima reunião ministerial entre os dois blocos. O objetivo deveria ser avançar nas negociações comerciais paradas desde outubro de 2004, quando tentativas de fechar um acordo fracassaram. Mas sinais de ambos os lados em seminário sobre o tema ontem, em Londres, indicam que as perspectivas continuam ruins e que a conclusão desse processo, que se arrasta por cinco anos, pode ser adiada novamente.
O embaixador José Alfredo Graça Lima, chefe da missão brasileira em Bruxelas, disse à Folha que, na sua opinião, o ideal para o Mercosul, agora, é aguardar o fim das negociações multilaterais de comércio da chamada Rodada Doha, esperado para dezembro, e só depois tentar concluir as conversas com os europeus.
O argumento de Graça Lima é simples. Do ponto de vista dos países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), a oferta feita no fim de 2004 pela UE, em termos de acesso ao mercado agrícola da região, é insatisfatória. Além disso, segundo ele, o passo, em termos de abertura na área agrícola, que a UE parece disposta a dar nas negociações de Doha é maior do que o ensaiado pelo bloco no acordo bilateral. Por isso, seria melhor esperar.
"Se você considerar a reforma da política agrícola comum [da UE] que será, eventualmente, transformada em proposta negociadora, e comparar com o que foi acordado em Doha, o mandato agrícola multilateral é muito mais ambicioso que o birregional. Não sei se é desejável assumir, previamente, um compromisso que vai nos atar as mãos", disse, após palestra no instituto Canning House, em Londres.

Alerta europeu
Os negociadores europeus jogam com o argumento contrário e afirmam que o Mercosul pode estar calculando mal seus passos. Karl Falkenberg, diretor de Comércio da Comissão Européia, disse que, depois de concessões feitas na rodada multilateral, os europeus podem ficar mais conservadores nas negociações bilaterais, o que dificultaria ainda mais um acordo.
"Pode ser difícil convencer os europeus de que, depois de "pagar" pelo acesso de mercado em Doha, também terão de "pagar" quantias adicionais em diferentes negociações comerciais. Eu posso, facilmente, prever uma situação mais difícil, dependendo, claro, do resultado da Rodada Doha", afirmou à Folha.
Falkenberg chega a adotar tom de alerta: "Se o cálculo [do Mercosul] é que depois de Doha haverá mais concessões da Europa, pode ser que estejam calculando mal".
Os desentendimentos entre os dois blocos vão além da possível margem de melhora na oferta que a UE apresentou ao Mercosul. Os europeus também têm suas cobranças. Querem que os sul-americanos sejam mais agressivos na oferta de abertura de seus mercados nas áreas de indústria e serviços. A resposta dos negociadores do Mercosul continua sendo que não têm como liberalizar essas áreas de uma só vez, até porque há grandes disparidades entre os quatro países de região.
Além de todos esses impasses, os europeus também se dizem preocupados com os problemas internos do Mercosul. Segundo Falkenberg, a recente crise da UE -acentuada depois do fracasso em aprovar a Constituição Européia na França e na Holanda- não impõe dificuldades às negociações comerciais do bloco porque, no que se refere aos avanços institucionais já alcançados e consolidados, não há risco de retrocesso. Já no que diz respeito ao Mercosul, ele diz que, além da falta de um desenho institucional mais forte, a crise econômica, em 2001, levou a Argentina a reconsiderar algumas propostas. Isso estaria contribuindo para que haja grande dificuldade, hoje, em avançar na integração da região e, conseqüentemente, em negociações externas.


Texto Anterior: Operação Cevada: Procuradoria vai oferecer denúncia contra a Schin
Próximo Texto: Tango da dívida: Argentina pede para negociar com FMI de novo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.