São Paulo, sexta-feira, 30 de junho de 2006

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Efeito sobre a economia do Brasil é duvidoso

GILSON SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Recebida com euforia nos mercados internacionais, o efeito da alta dos juros nos EUA para 5,25% ao ano sobre as chamadas economias emergentes é amplamente favorável. O impacto sobre a economia do Brasil, no entanto, pode ser relativamente menor. O mercado opera, no curto prazo, com a percepção de riscos relativos. Para isso servem as classificações, os índices de confiança. Na onda mais recente de instabilidade global, houve países que sofreram muito mais do que o Brasil, pois não tinham feito o ajuste das suas contas externas. Como o Brasil sofreu menos, tende a se beneficiar menos agora de uma possível retomada de confiança dos investidores nos mercados emergentes. O pano de fundo dessa esperada melhoria é a percepção de que o Fed (o banco central norte-americano) dissolveu o risco de estagflação, fonte de grande alívio ontem nos mercados internacionais que ainda operavam no final do dia. É provável um efeito positivo do novo cenário externo sobre a taxa de câmbio do real: se as taxas de juros no Brasil permanecerem estáveis ou mesmo declinarem ainda por um tempo, gradualmente, vai cair a diferença dos juros entre o Brasil e o mundo. Em tese, isso reduz a atratividade do mercado brasileiro para investimentos de curtíssimo prazo. O capital externo mais especulativo tem menos incentivo a pousar como andorinhas por aqui. Uma redução na oferta de dólares especulativos pode ajudar a recolocar a taxa de câmbio brasileira num patamar mais adequado ao nosso potencial exportador. Os juros norte-americanos são o fiel da balança na economia global: de um lado, temores com a queda na liquidez financeira mundial, de outro, a percepção de que os desequilíbrios comerciais e financeiros dos Estados Unidos, a maior economia do mundo, exigem uma redução do consumo e do crédito.


O grande alívio que os mercados expressaram ontem e devem continuar mostrando hoje talvez reflita mais uma atitude do tipo "tiraram o bode da sala"


O comunicado do Fed reconhece que os efeitos da alta de juros e da alta nos preços de energia já atingem o consumidor norte-americano. Além do consumo nos EUA, os juros do Fed compõem com as taxas do iene e do euro o tripé monetário que sustenta a economia globalizada. No mesmo momento em que o Fed puxa o freio subindo os juros, o Banco do Japão promete começar a subir suas taxas em breve. Se o Comitê coordenado por Ben Bernanke "errar a mão", o cuidado com o desequilíbrio interno dos EUA (inflação, bolha no mercado imobiliário) pode entrar em fase com o fim do ciclo de liquidez global. Muita gente no mercado ainda acredita que o alívio de ontem foi temporário, pois o tamanho dos desajustes, tanto dentro dos EUA como entre as principais moedas do mundo, vai exigir um caminho ainda longo de altas de juros e contenção de crises localizadas. O grande alívio que os mercados expressaram ontem e devem continuar mostrando hoje, em especial no sentimento com relação a mercados emergentes (como a Turquia) que sofreram mais no vendaval mais recente, talvez reflita mais uma atitude do tipo "tiraram o bode da sala". Ou seja, não teria ocorrido melhora fundamental no cenário internacional, ainda que a reunião do Fed de ontem transmita mais segurança aos mercados. Apesar do alívio, podemos estar vivendo apenas a correção do exagero dos últimos dois meses, não necessariamente a superação dos riscos associados ao fim da era de liquidez, apetite por economias emergentes (como a China e a Índia) e juros baixos ou zero (como no Japão). Para o Brasil, que não sofreu tanto, os desafios continuam os mesmos: encontrar uma taxa de câmbio menos pressionada pelo capital andorinha, investir em competitividade para enfrentar um mundo cada vez mais protecionista e reformar as finanças internas para viabilizar um ciclo de crescimento sustentável e de longo prazo.
GILSON SCHWARTZ é professor de economia da informação na ECA-USP.


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