São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

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Capitalistas vivem período excelente, mas há ameaças

Juros em alta, falta de bons trabalhadores e impopularidade dos lucros muito elevados ameaçam prosperidade das empresas

Ganhos em alta deveriam fazer subir salários, mas entrada de China, Índia e Rússia no capitalismo gerou sobreoferta de profissionais

PHILIP COGGAN
DO "FINANCIAL TIMES"

Estamos vivendo um período excelente para quem é capitalista. Em todo o mundo, os lucros vêm aumentando como proporção do PIB (Produto Interno Bruto).
De acordo com o Goldman Sachs, a fatia dos lucros no PIB dos Estados Unidos foi a mais alta de todos os tempos no primeiro trimestre de 2006. O HSBC diz que 2005 foi o melhor ano para os lucros britânicos desde que o banco começou a acompanhar esse histórico.
E não se trata apenas de uma tendência que beneficia os países anglo-saxões. Segundo o banco UBS, a participação dos lucros no PIB japonês está próxima de sua marca mais elevada em 35 anos e no continente europeu ela também está se aproximando de um recorde.
Uma questão crucial para os investidores é determinar se essa escala de lucros pode ser mantida, ou ampliada, ou se está inexoravelmente condenada a recuar à média.
A teoria sugeriria que deve acontecer uma reversão à tendência média. Se os lucros se mantiverem altos, as pessoas se sentirão tentadas a criar novas empresas e as empresas existentes se expandirão; a competição resultante tenderá a reduzir as margens de lucro.
Se os lucros forem baixos demais, empresas fecham as portas, o que alivia a pressão competitiva entre elas e, portanto, reforça o lucro das companhias sobreviventes. Por enquanto, as empresas estão nadando em dinheiro; as que compõem o índice Standard & Poor's 500 podem registrar seu 12º trimestre consecutivo de crescimento de lucros na casa dos dois dígitos.
Qualquer pessoa que tenha participado de assembléias políticas nos anos 1960 e 1970 se lembrará de que, em dado ponto da reunião, alguém sempre gritava: "E quanto aos trabalhadores?" A mesma pergunta deve ser feita hoje.
Se os lucros estão elevando sua participação no PIB, outro setor deve estar perdendo. O Goldman Sachs estima que o crescimento lento da remuneração paga aos trabalhadores tenha respondido por 40% da expansão das margens de lucro nos últimos cinco anos.

Efeito China-Índia
O que explica o desempenho frágil dos salários? O UBS menciona um estudo acadêmico de Richard Freeman, segundo o qual a entrada de China, Índia e de países que faziam parte do bloco soviético no mercado mundial efetivamente dobrou a força de trabalho disponível.
Como acontece no caso de qualquer outro insumo econômico, se a oferta cresce de maneira substancial, é provável que o preço seja pressionado.
Outros fatores vêm beneficiando o setor empresarial. Os pagamentos de juros vêm sendo baixos, em termos reais e nominais, o que reduz o custo das dívidas das empresas.
As provisões de depreciação foram reduzidas desde que as empresas reduziram os seus investimentos de capital como conseqüência do estouro da bolha da internet.
No Reino Unido, o vigor dos lucros empresariais gerais vem sendo estimulado ainda mais pelos ganhos nos setores de energia e mineração. Se esses setores forem excluídos, afirma o HSBC, as margens líquidas de lucro e o retorno sobre o investimento caíram 2005.
Mas o quadro continua a ser bastante róseo. O HSBC diz que a diferença entre o retorno sobre o capital e o custo do capital (indicador do valor adicionado pelo setor empresarial) está perto de um recorde de alta.

Preocupações
Mesmo assim, quem quer que decida considerar a situação em prazo mais longo precisa se preocupar, já que é improvável que as notícias quanto aos lucros se tornem ainda melhores do que as atuais.
Diversos fatores parecem estar agindo para gerar queda nos lucros. As taxas de juros estão em alta. Os investimentos de capital começam a subir, o que sugere que as provisões de depreciação também se elevarão.
O UBS acrescenta que, agora, os preços dos bens de capital estão em alta, o que implica maiores desembolsos para cobrir os custos envolvidos em um dado nível de investimento. É improvável que as alíquotas dos impostos sejam ainda mais reduzidas, dados os déficits orçamentários registrados pelos países desenvolvidos.
Mas a questão crucial é evidentemente a do salário. Tradicionalmente, à medida que a economia se expande, fica mais difícil localizar e contratar bons funcionários.
Isso gera elevação nos salários, o que reduz margens e causa pressão inflacionária, a qual por sua vez leva bancos centrais a elevar juros. Os juros terminam por esfriar a demanda e a economia se desacelera.
Por enquanto, nada disso aconteceu no ciclo atual. Mas o ciclo não foi abolido, e sim simplesmente alongado pelo efeito China-Índia. A análise do Goldman Sachs sugere que a correlação básica entre salários e crescimento continua intacta.
O UBS acredita que a capacidade excedente de mão-de-obra se reduziu e que os custos por unidade de mão-de-obra podem ter começado a subir. Em outras palavras, os trabalhadores talvez comecem a exigir sua fatia do bolo.
E existe outro fator a considerar. Os lucros elevados e os extremos de riqueza que eles usualmente implicam são altamente impopulares.
Já vimos como os preços elevados do petróleo estimularam governos a confiscar ativos na América Latina. Até mesmo nos EUA, tão capitalistas, há queixas sobre a ganância das empresas de petróleo.
É fácil presumir que os processos de liberalização dos últimos 20 anos são irreversíveis. Mas reformas como essas contam com pouco apoio de base e, em muitos países, foram impostas pelas elites econômicas.
E a tarefa pode estar se tornando mais difícil. Até governos supostamente favoráveis à reforma, como o do então premiê italiano Silvio Berlusconi, não conseguem fazê-las.
O fracasso das negociações de comércio mundial demonstra de que maneira os governos continuam atrelados aos setores agrícolas e o quanto é difícil obter apoio político a um dos preceitos básicos da economia, o livre comércio.
Assim, os lucros podem sofrer pressão em função dos ciclos econômicos. E, em alguns setores, governos podem agir para confiscá-los. Assim, a economia globalizada que ajudou as empresas a ampliar seus lucros é uma estrutura frágil, que pode ser varrida com facilidade, como aconteceu com sua versão anterior, em 1914.


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