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Capitalistas vivem período excelente, mas há ameaças
Juros em alta, falta de bons trabalhadores e impopularidade dos lucros muito elevados ameaçam prosperidade das empresas
Ganhos em alta deveriam fazer subir salários, mas entrada de China, Índia e Rússia no capitalismo gerou sobreoferta de profissionais
PHILIP COGGAN
DO "FINANCIAL TIMES"
Estamos vivendo um período
excelente para quem é capitalista. Em todo o mundo, os lucros vêm aumentando como
proporção do PIB (Produto Interno Bruto).
De acordo com o Goldman
Sachs, a fatia dos lucros no PIB
dos Estados Unidos foi a mais
alta de todos os tempos no primeiro trimestre de 2006. O
HSBC diz que 2005 foi o melhor ano para os lucros britânicos desde que o banco começou
a acompanhar esse histórico.
E não se trata apenas de uma
tendência que beneficia os países anglo-saxões. Segundo o
banco UBS, a participação dos
lucros no PIB japonês está próxima de sua marca mais elevada em 35 anos e no continente
europeu ela também está se
aproximando de um recorde.
Uma questão crucial para os
investidores é determinar se
essa escala de lucros pode ser
mantida, ou ampliada, ou se está inexoravelmente condenada
a recuar à média.
A teoria sugeriria que deve
acontecer uma reversão à tendência média. Se os lucros se
mantiverem altos, as pessoas se
sentirão tentadas a criar novas
empresas e as empresas existentes se expandirão; a competição resultante tenderá a reduzir as margens de lucro.
Se os lucros forem baixos demais, empresas fecham as portas, o que alivia a pressão competitiva entre elas e, portanto,
reforça o lucro das companhias
sobreviventes. Por enquanto,
as empresas estão nadando em
dinheiro; as que compõem o índice Standard & Poor's 500 podem registrar seu 12º trimestre
consecutivo de crescimento de
lucros na casa dos dois dígitos.
Qualquer pessoa que tenha
participado de assembléias políticas nos anos 1960 e 1970 se
lembrará de que, em dado ponto da reunião, alguém sempre
gritava: "E quanto aos trabalhadores?" A mesma pergunta deve ser feita hoje.
Se os lucros estão elevando
sua participação no PIB, outro
setor deve estar perdendo. O
Goldman Sachs estima que o
crescimento lento da remuneração paga aos trabalhadores
tenha respondido por 40% da
expansão das margens de lucro
nos últimos cinco anos.
Efeito China-Índia
O que explica o desempenho
frágil dos salários? O UBS menciona um estudo acadêmico de
Richard Freeman, segundo o
qual a entrada de China, Índia e
de países que faziam parte do
bloco soviético no mercado
mundial efetivamente dobrou
a força de trabalho disponível.
Como acontece no caso de
qualquer outro insumo econômico, se a oferta cresce de maneira substancial, é provável
que o preço seja pressionado.
Outros fatores vêm beneficiando o setor empresarial. Os
pagamentos de juros vêm sendo baixos, em termos reais e
nominais, o que reduz o custo
das dívidas das empresas.
As provisões de depreciação
foram reduzidas desde que as
empresas reduziram os seus investimentos de capital como
conseqüência do estouro da bolha da internet.
No Reino Unido, o vigor dos
lucros empresariais gerais vem
sendo estimulado ainda mais
pelos ganhos nos setores de
energia e mineração. Se esses
setores forem excluídos, afirma
o HSBC, as margens líquidas de
lucro e o retorno sobre o investimento caíram 2005.
Mas o quadro continua a ser
bastante róseo. O HSBC diz que
a diferença entre o retorno sobre o capital e o custo do capital
(indicador do valor adicionado
pelo setor empresarial) está
perto de um recorde de alta.
Preocupações
Mesmo assim, quem quer
que decida considerar a situação em prazo mais longo precisa se preocupar, já que é improvável que as notícias quanto aos
lucros se tornem ainda melhores do que as atuais.
Diversos fatores parecem estar agindo para gerar queda nos
lucros. As taxas de juros estão
em alta. Os investimentos de
capital começam a subir, o que
sugere que as provisões de depreciação também se elevarão.
O UBS acrescenta que, agora,
os preços dos bens de capital
estão em alta, o que implica
maiores desembolsos para cobrir os custos envolvidos em
um dado nível de investimento.
É improvável que as alíquotas
dos impostos sejam ainda mais
reduzidas, dados os déficits orçamentários registrados pelos
países desenvolvidos.
Mas a questão crucial é evidentemente a do salário. Tradicionalmente, à medida que a
economia se expande, fica mais
difícil localizar e contratar
bons funcionários.
Isso gera elevação nos salários, o que reduz margens e
causa pressão inflacionária, a
qual por sua vez leva bancos
centrais a elevar juros. Os juros
terminam por esfriar a demanda e a economia se desacelera.
Por enquanto, nada disso
aconteceu no ciclo atual. Mas o
ciclo não foi abolido, e sim simplesmente alongado pelo efeito
China-Índia. A análise do Goldman Sachs sugere que a correlação básica entre salários e
crescimento continua intacta.
O UBS acredita que a capacidade excedente de mão-de-obra se reduziu e que os custos
por unidade de mão-de-obra
podem ter começado a subir.
Em outras palavras, os trabalhadores talvez comecem a exigir sua fatia do bolo.
E existe outro fator a considerar. Os lucros elevados e os
extremos de riqueza que eles
usualmente implicam são altamente impopulares.
Já vimos como os preços elevados do petróleo estimularam
governos a confiscar ativos na
América Latina. Até mesmo
nos EUA, tão capitalistas, há
queixas sobre a ganância das
empresas de petróleo.
É fácil presumir que os processos de liberalização dos últimos 20 anos são irreversíveis.
Mas reformas como essas contam com pouco apoio de base e,
em muitos países, foram impostas pelas elites econômicas.
E a tarefa pode estar se tornando mais difícil. Até governos supostamente favoráveis à
reforma, como o do então premiê italiano Silvio Berlusconi,
não conseguem fazê-las.
O fracasso das negociações
de comércio mundial demonstra de que maneira os governos
continuam atrelados aos setores agrícolas e o quanto é difícil
obter apoio político a um dos
preceitos básicos da economia,
o livre comércio.
Assim, os lucros podem sofrer pressão em função dos ciclos econômicos. E, em alguns
setores, governos podem agir
para confiscá-los. Assim, a economia globalizada que ajudou
as empresas a ampliar seus lucros é uma estrutura frágil, que
pode ser varrida com facilidade, como aconteceu com sua
versão anterior, em 1914.
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