São Paulo, quinta-feira, 30 de julho de 2009

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O FMI elogia o Brasil


O Fundo endossou o estímulo fiscal planejado pelo governo brasileiro e a redução na meta de superávit primário


O BRASIL concluiu recentemente a sua consulta anual com o FMI. Fomos muito elogiados pelo corpo técnico e pelos diretores do Fundo. Houve críticas, mas poucas. Saí da reunião da diretoria rubro de modéstia.
O leitor poderá perguntar: o que será que o Brasil está fazendo de errado? Pergunta pertinente. Houve tempo em que elogio do Fundo era "indicador antecedente" de problemas, quase o beijo da morte. Em certos períodos, a Argentina de Menem e Cavallo, por exemplo, colheu muitos elogios por aqui. Assim, o México de Salinas de Gortari, nos anos anteriores ao colapso de 1994.
Mas hoje parece que o quadro é diferente. O FMI abandonou certos dogmas do chamado Consenso de Washington. Mesmo antes da crise internacional, a instituição vinha começando um processo de adaptação e flexibilização. A eclosão da crise acelerou as mudanças.
Compreendo que o leitor receba o parágrafo anterior com alguma desconfiança. Afinal, brasileiro sabidamente não pode viajar. Será que foi o Fundo que mudou ou este economista subdesenvolvido que vos escreve? Em minha defesa, direi apenas o seguinte: o que me protege contra adaptações espúrias é simplesmente uma certa teimosia, uma preocupação instintiva em preservar alguma coerência _uma proteção contra a angústia da passagem do tempo, talvez. Seja como for, reconheço a validade do que dizia Oscar Wilde: a coerência é uma virtude de quinta categoria, um refúgio dos que não têm imaginação.
Quando aceitei vir aqui para o Fundo, um dos meus amigos _o jornalista Roberto Müller_ debochou: "Estamos fazendo uma aposta sobre quanto tempo levará até que você defenda um aumento do superávit primário". Os mais descrentes me davam seis meses; os mais otimistas, dois anos.
Pois bem. Passaram-se mais de dois anos. E eis que acontece o seguinte: o FMI apoia a redução do superávit primário no Brasil! A verdade, leitor, é que a crise abalou muitas convicções. Os diretores do Fundo endossaram o estímulo fiscal planejado pelo governo brasileiro e a redução de 1,5% do PIB na meta de superávit primário para 2009. Ressalvaram que é recomendável conter despesas correntes, inclusive salários, mas viram espaço para afrouxamento adicional da política fiscal e monetária, desde que se monitore com cuidado as reações do mercado. Nos termos do Artigo IV do seu Convênio Constitutivo, o FMI mantém discussões bilaterais com os países membros, geralmente uma vez por ano. É a essa consulta que estou me referindo (ver "Diretoria Executiva do FMI conclui a consulta do Artigo IV com o Brasil", 28 de julho, www.imf.org/external).
Os dados coletados pelo corpo técnico do Fundo parecem dar suporte a essas conclusões da diretoria. A razão dívida pública líquida/PIB vem diminuindo de forma gradual nos anos recentes, de 49% em 2004 para 37% em 2008. Deve subir para 42% este ano, mas voltar a cair para cerca de 40% no ano que vem, segundo as projeções do FMI.
O déficit público consolidado andava por volta de 2% a 2,5% do PIB antes da crise internacional. O Fundo projeta um aumento para 3,2% do PIB em 2009, refletindo os efeitos da recessão e as medidas de estímulo fiscal. Mesmo assim, o nosso será um dos menores déficits fiscais entre os países do G20 em 2009, segundo o FMI. O Brasil tem sido relativamente cauteloso em matéria de uso antirrecessivo da política fiscal.
É bom que continue assim. A disciplina fiscal é aspecto essencial de uma política econômica bem-sucedida.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net


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