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ARTIGO
As dívidas despercebidas do Brasil
MORRIS GOLDSTEIN
PARA O "FINANCIAL TIMES"
O pacote de US$ 30 bilhões que o FMI (Fundo Monetário Internacional) concedeu para resgatar o Brasil suscita uma questão crucial: como um país
que era caracterizado ainda recentemente como exemplar em
termos de desempenho pode estar de novo à beira da crise financeira, depois de ter cumprido fielmente seu mais recente acordo com o FMI?
Será que a crise brasileira significa que existe alguma coisa de
terrivelmente errada com o sistema financeiro internacional? Fernando Henrique Cardoso recentemente ofereceu sua resposta:
"Raramente os mercados se comportaram de maneira tão abertamente contrária aos seus interesses, ao ignorar os fundamentos e
criar falsas expectativas".
Existe mesmo algo de errado.
Mas não aquilo que FHC tem em
mente. O Brasil decaiu a uma crise
porque suas autoridades, os mercados financeiros privados e o
FMI não prestaram atenção suficiente ao problema crescente da
dívida nacional.
Ao contrário do que se ouve frequentemente, alguns dos fundamentos brasileiros mais importantes se deterioraram ao longo
dos últimos anos, e o ambiente
externo que o país enfrenta também se deteriorou.
O mais recente pacote de resgate também demonstra que, a despeito de toda sua retórica quanto
a suspender o financiamento oficial em larga escala quando ele estiver sendo usado para escorar
uma posição de dívida insustentável, o FMI e os principais países
industrializados não estão dispostos a fazê-lo, quando a coisa aperta para as maiores economias
emergentes.
É certo que a taxa de câmbio
competitiva e de livre flutuação
no Brasil, sua estrutura de política
monetária baseada em metas para a inflação, seu superávit orçamentário primário e seus bancos
protegidos colocam o país em posição melhor do que a ocupada
pela Argentina antes de sua crise
recente. Mas o histórico brasileiro
quanto a algumas outras dimensões econômicas importantes
vem sendo horrendo.
Dívida pública
Em 1994, a dívida pública como
proporção do PIB (Produto Interno Bruto) era de 30%. Hoje, chega
ao dobro e isso a despeito de receitas de privatização significativas e de uma relação entre a arrecadação tributária e o PIB muito
superior à da maioria das economias emergentes.
Nos últimos oito anos, não houve sequer um declínio anual da dívida pública líquida brasileira.
Porque grande proporção -mais
de 40%- está denominada em
ou indexada ao dólar, o país se fez
refém da grande depreciação do
real acontecida nos últimos anos.
É essa a espécie de comportamento, em termos de política fiscal e administração da dívida, que
Paul O'Neill, o secretário do Tesouro norte-americano, e o FMI
desejam exibir como exemplo para as economias emergentes?
A acumulação da dívida se torna mais perturbadora quando o
crescimento econômico se reduz.
Neste ano, a economia brasileira
deve crescer apenas 1,5%, comparado aos 4,5% de 2000.
O quadro em termos de dívida
externa e requerimentos financeiros não é muito melhor.
A relação entre a dívida externa
pública e privada e as exportações
brasileiras é de mais de 400%. De
1980 para cá, apenas uma economia emergente, a do Chile, conseguiu reduzir essa relação entre dívida e exportações de um nível
elevado a patamares mais moderados sem uma reestruturação
significativa da dívida.
O índice de serviço anual da dívida externa brasileira fica em astronômicos 90%. São números
muito pobres, porque o setor de
exportação brasileiro -como o
argentino- responde por apenas
10% do PIB, cerca de um quinto
do nível médio das economias
asiáticas emergentes e menos da
metade do atingido pelo México e
Chile.
Em 2000, o Brasil registrou déficit em conta corrente de 4% do
PIB, pouco superior ao antecipado para este ano. Mas naquele ano
o Brasil estava recebendo US$ 33
bilhões em investimento estrangeiro direto; este ano, terá sorte se
obtiver metade dessa soma.
Escassez de crédito
Com necessidades de financiamento externo da ordem de US$
45 bilhões a US$ 50 bilhões no ano
que vem, há uma questão urgente
quanto à origem desse dinheiro.
As empresas brasileiras já enfrentam uma compressão de crédito
externo e seus esforços para honrar seus pagamentos em moeda
estrangeira contribuíram para a
forte queda do real neste ano.
Além disso, há incerteza quanto
a quem governará o Brasil depois
da próxima eleição. Isso torna
mais difícil preparar um plano
confiável e de médio prazo para
políticas econômicas cruciais.
Pouco se deve esperar de promessas genéricas de honrar contratos
e manter um superávit primário
no orçamento.
Dados os fatores acima, pouco
admira que desde o começo do
ano os mercados tenham mais
que duplicado o ágio dos títulos
brasileiros.
América Latina
Ninguém deseja um FMI tão
avesso a riscos que empreste dinheiro apenas às Suíças do planeta, ou uma organização tão preocupada com questões técnicas
menores que termine por ignorar
a crise financeira cada vez mais
larga e profunda que atinge a
América Latina.
Mas o FMI não tem futuro se
não se pronunciar vigorosamente
sobre as vulnerabilidades da dívida quanto elas estão em alta, e
ainda mais se não puder definir a
sustentabilidade da dívida como
condição essencial para assistência financeira.
O FMI e os países industrializados não exerceram essa responsabilidade quando resgataram a Argentina em agosto passado e a
Turquia antes disso. A menos que
condicionem futuros empréstimos do FMI ao Brasil a uma reestruturação da dívida acompanhada de medidas macroeconômicas
e estruturais adequadas, temo que
a mesma situação se repita.
Morris Goldstein é pesquisador sênior do Instituto de Economia Internacional (IIE). Este artigo foi publicado originalmente pelo "Financial Times".
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