São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A economia brasileira mostra que está viva!

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A pesar de todo o peso da crise financeira, a economia brasileira mostra sinais evidentes de vigor e força na sua recuperação. Os setores ligados à agropecuária e às exportações apresentam um dinamismo extraordinário, apesar dos juros elevados, da falta de crédito interno e externo e de um sistema tributário que tira energia vital das empresas. A principal força desse aparente milagre é a taxa de câmbio real extremamente desvalorizada.
Com o dólar valendo R$ 3, as empresas que exportam estão tendo um estímulo muito forte para aumentar suas vendas, e as importações, agora muito caras, estão sofrendo a concorrência agressiva da produção interna. Além disso, a recessão e a queda do consumo estão obrigando setores importantes, como o automobilístico, a direcionar parte de sua capacidade produtiva para os mercados externos. Da mesma forma, o turismo ao exterior está sendo substituído por viagens aqui mesmo no Brasil.
Os críticos de plantão vão desqualificar esse ajuste em curso argumentando que o preço desse movimento de resposta à crise externa é a recessão e o sofrimento do povo. Ignoram que as economias de mercado têm uma dinâmica, racional e conhecida, para reagir a situações de desequilíbrio, como a que estamos vivendo. O desaquecimento momentâneo é um mal necessário.
Esquecem, ou não conhecem também, as lições que a história nos ensina de maneira muito clara. Tomemos o exemplo da Coréia do Sul. O país passou por uma crise externa gravíssima em 1997, iniciada a partir da quebra da Tailândia, e em um contexto político muito semelhante ao que estamos vivendo. A eleição de um eterno oposicionista como presidente, crítico duro e superficial da política econômica do governo anterior e visto com desconfiança pelos mercados, levou o país para perto da insolvência externa. Como aqui a moeda nacional entrou em colapso, os credores externos abandonaram desastradamente o país, provocando uma crise quase terminal.
Um megapacote de ajuda internacional e uma política econômica lúcida trouxeram a economia, depois de dois anos, novamente ao leito do crescimento sustentado. O novo presidente esqueceu suas idéias exóticas do passado e liderou um programa ortodoxo de ajuste macroeconômico e de reformas na institucionalidade microeconômica do país. Apesar do ceticismo habitual do sistema bancário internacional -como dizia Keynes, um bando de ovelhas irracionais e assustadas em momentos de crise-, o país acabou saindo mais forte daqueles dias difíceis. No mundo conturbado de hoje, a Coréia do Sul é uma ilha de prosperidade e o presidente Kim, um líder reconhecido pela maioria de sua população.
O caminho a ser trilhado por nós, brasileiros, deve ser semelhante ao da Coréia do Sul. A partir do programa já negociado com o FMI e outras instituições multilaterais -a ser complementado no próximo ano com os bancos privados internacionais, principalmente com um acordo em relação às linhas de financiamento de comércio- e com a credibilidade de um governo comprometido com uma política macroeconômica adequada, poderemos iniciar nossa recuperação ainda em 2003. Continuidade do ajuste fiscal, mudanças inteligentes no sistema de metas inflacionárias, que permitam uma redução importante dos juros e compromisso com a redução estrutural e não apenas conjuntural do déficit de transações correntes de nosso balanço de pagamentos, devem ser as prioridades do novo presidente.
Como fez a Coréia do Sul, deveremos também promover reformas no nosso sistema produtivo e definir uma agenda de ações efetivas para aumentar nossas exportações e reduzir o coeficiente de importação atual. Enfrentar estrangulamentos de nossa infra-estrutura econômica, principalmente no setor de energia, iniciar a revisão da questão regulatória em vários setores dos serviços públicos e tratar de forma séria a reforma tributária fazem parte dessa agenda.
Enfrentar os problemas atuais trocando a racionalidade econômica pelo ativismo irracional e demagógico da campanha eleitoral será o caminho mais curto para mergulhar o país em uma situação de caos. Como bem disse em sua coluna o jornalista Elio Gaspari, a história política do Brasil mostra que temos tido dois tipos de presidentes da República: os que entram em uma crise grave e saem dela com uma solução ou com uma crise de intensidade muito menor, e aqueles que, por sua ação política e administrativa, acabam agravando a crise inicial. Felizmente para nós, dos três candidatos competitivos nas próximas eleições, dois estão dando sinais claros de que estão entendendo o cenário atual. Serra por convicções próprias como economista que é e Lula por ter atrás de si um partido que amadureceu nas derrotas passadas e pelas experiências administrativas vividas em várias unidades da União.
As declarações do candidato do PT, principalmente na suas segundas versões, têm surpreendido pela sua lucidez. Agora mesmo, na questão da política de compras de plataformas marítimas pela Petrobras, podemos encontrar essa nova maturidade do PT. Suas primeiras declarações, dadas no calor de uma visita a um estaleiro no Rio de Janeiro, foram agressivas e incorretas. Posteriormente, em um programa de televisão, ele corrigiu-se e defendeu uma posição absolutamente correta.
Quanto ao candidato Ciro Gomes, fica uma incógnita, na medida em que não temos informação sobre o que ele pensa como devemos enfrentar a crise atual. A entrada do economista José Alexandre Scheinkman, com um pensamento econômico igual ao do malanismo em sua equipe, apenas agrava esse quadro de incertezas.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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