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São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2003

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LUÍS NASSIF

As fontes na economia

Nos últimos meses me empenhei em uma cruzada contra os "cabeças de planilha". Dou a tarefa por provisoriamente encerrada.
A intenção não foi atacar este ou aquele economista nem investir contra a categoria dos economistas de mercado, mas denunciar um tipo de cobertura jornalística extraordinariamente mediocrizante, que acabou privilegiando o palpite em lugar da análise e aceitou como verdades slogans que não resistiriam a nenhuma prova de consistência.
É hora de começar a avaliar melhor a qualidade do que é entregue ao público, principalmente porque a proliferação de palpites inconsequentes, quando ecoado por grandes meios de comunicação, acabam tendo peso político relevante.
Um dos vícios da cobertura é supor que todo economista está apto a falar de todos os temas econômicos e a fazer análise de conjuntura. Não é assim. A análise de conjuntura é um exercício intrincado, em que o analista precisa pesar muitos fatores, nem todos quantificáveis. Assemelha-se muito ao raciocínio desenvolvido no jogo do xadrez, no qual cada movimento de peça provoca um novo equilíbrio (ou desequilíbrio) no tabuleiro, implicando tantas variáveis que a intuição passa a ser elemento relevante de decisão.
É preciso entender as diversas classes de economistas. No topo da pirâmide há os formuladores, os economistas de visão geral, que sabem mesclar conhecimento de macroeconomia com mercado, agricultura, indústria etc. São poucos os que se enquadram nessa categoria -e não são os mais ouvidos.
Abaixo deles há os especialistas. O próprio mercado financeiro tem analistas com trabalhos relevantes sobre pontos específicos da economia e do mercado. Alguns deles até têm visão bastante crítica sobre o cabeça de planilha -que continua apostando em tendências já superadas pelos centros avançados de pensamento econômico.
Abaixo deles vêm os "arrumadinhos-detalhistas". São economistas especializados em levantar bancos de dados, indicadores, com especial apego aos detalhes e pouco empenho em teses inovadoras, sem nenhuma espécie de visão sistêmica.
Num quarto nível vêm os economistas de slogan, aqueles que cheiram a idéia que está na moda e se limitam a despejar conceitos sem conseguir amarrá-los a modelos de pensamento. São os economistas padrão "Caras" -para eles, as idéias econômicas se dividem entre as "in" (que estão na moda) e as "out". Diria que são os mais ouvidos pela mídia, inclusive por colegas seniores.
Alguns deles até conseguem destaque em áreas específicas da economia, mas se põem a chutar sobre conjuntura porque o mercado demanda.
Seja qual for o nível do economista, ele não se pode furtar a ser questionado sobre a lógica do que propõe. A virtude maior da nossa profissão é a capacidade e a obrigação do jornalista de arrancar do especialista o raciocínio despido dos conceitos fechados, definir o objetivo a ser alcançado por determinada proposta e detalhar todas as consequências de cada passo, para conferir se há lógica ou não.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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