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OPINIÃO ECONÔMICA
Segundo mandato para o companheiro Bush?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
George w. Bush merece um
segundo mandato? Nos
EUA, as opiniões estão muito divididas, com alguma vantagem
para o presidente. No resto do
mundo, a resposta é: "Não!"
-com ponto de exclamação e tudo.
Será justa essa resposta? Tem
cabimento a ênfase? Não creio,
sinceramente. Ninguém desconhece, é claro, os podres da sua
gestão: notadamente, a desastrosa invasão do Iraque e as fragilidades da sua política econômica.
Acontece que o companheiro
Bush vem prestando, sem querer,
um certo serviço a países como o
Brasil. Pode parecer estranho,
mas é o que vem ocorrendo.
Explico. Com a desintegração
da União Soviética, rompeu-se o
equilíbrio de poder no mundo.
Única superpotência remanescente, os EUA passaram a predominar, sem maiores contestações,
em escala planetária e, com especial intensidade, nas suas áreas
tradicionais de influência, como a
América Latina. Bill Clinton soube valer-se dessa nova configuração, alternando com habilidade
os instrumentos de "hard power"
com os de "soft power". Força
bruta, intervenções militares, em
certas ocasiões, mas temperadas
com consultas aos principais aliados, manobras diplomáticas e esforços de persuasão e sedução
(aqui no Brasil, o procônsul Fernando Henrique Cardoso babava
na gravata).
Com o companheiro Bush, o
quadro é diferente. Não que os
objetivos fundamentais da política externa dos EUA tenham sofrido transformação radical. Mas o
estilo, sim. Bush é franco e aberto.
A sua alma texana não cultiva a
hipocrisia que, segundo La Rochefoucauld, é "a homenagem do
vício à virtude". A agenda de
Washington ficou mais explícita
e, portanto, mais vulnerável. Acabaram-se os rapapés e os disfarces. Sumiram as figuras de retórica que disfarçam a submissão dos
procônsules de diferentes cantos
do planeta à estratégia da superpotência. Conseqüentemente, a
influência dos EUA declinou e
cresceram as resistências a Washington em grande parte do mundo, inclusive na América do Sul.
No Brasil, por exemplo, existe
um numeroso "partido americano", gente que nasceu por aqui
sob protesto e se identifica visceralmente com os EUA. Os seus integrantes falam português com
indisfarçável "sotaque espiritual", como diria Nelson Rodrigues. Com a ascensão do companheiro Bush, esse "partido americano" perdeu o rumo de casa e já
não sabe mais o que inventar para se fazer ouvir.
Outro traço curioso e paradoxal
do companheiro Bush: é republicano e conservador, mas não dá
ouvidos à ortodoxia econômica.
O estouro da imensa bolha especulativa herdada do período
Clinton ameaçava jogar a economia dos EUA em profunda recessão. O que fez Bush? Apoiado pelo
Congresso, adotou uma política
fiscal muito expansionista, baseada não só nos cortes de impostos
tradicionalmente defendidos pelo
Partido Republicano mas também em acentuada expansão dos
gastos. Além dos gastos de segurança e militares, ligados à "guerra contra o terror", cresceram rapidamente despesas discricionárias com educação, saúde e outros
programas governamentais. No
campo do comércio exterior, o
companheiro Bush mandou os
partidários do livre comércio passear e seguiu, sem inibições, uma
linha seletivamente protecionista,
mais uma vez com apoio (e até
sob pressão) da maioria dos congressistas. Os defensores tupiniquins da Alca ficaram totalmente
desorientados.
E o senso de humor do companheiro Bush? Nada vale? Lembro
aquela visita à sua "alma mater",
a Universidade Yale. Bush discursando: "A vocês, alunos nota A,
eu digo: parabéns! A vocês, alunos
nota C, eu digo: vocês também
podem tornar-se presidente dos
EUA um dia".
E o episódio do desmaio? O espaço está acabando, mas vale
uma rápida reprise. Certo dia, lá
está o companheiro Bush na Casa
Branca, assistindo à TV na companhia de seus dois cachorros,
Spot e Barney. De repente, desmaia e vai ao chão, contundindo
o rosto de maneira indisfarçável.
A versão oficial: tentou engolir
um "pretzel" (um biscoito salgado) sem mastigar direito. Mas ficou pouco tempo desacordado.
Como saber, se ele estava sozinho? Quando recobrou os sentidos, Spot e Barney estavam na
mesma posição, só que com uma
"expressão preocupada", explicou Bush.
Aliás, esses cachorros do presidente, de tão mencionados em
seus discursos e entrevistas, viraram verdadeiras celebridades nacionais. Na página inicial do site
da Casa Branca, há uma fotografia e um link para a home page de
"o primeiro-cachorro", Barney
(Spot morreu nesse meio tempo).
Lá encontramos a sua biografia,
a foto do dia, arquivos de fotos e
filmes, entre outras informações.
Nesse site, "o primeiro-cachorro"
recebe mais destaque do que a
primeira-dama e quase tanto
quanto o próprio presidente, sinal
de modéstia (mais uma qualidade do companheiro Bush).
Portanto, se eu pudesse fazer
um apelo aos (certamente pouquíssimos) cidadãos americanos
que lêem o caderno Dinheiro da
Folha, eu diria: "Não desempreguem o companheiro Bush! Não
deixem, assim, truncada e inacabada essa obra tão necessária de
reequilíbrio das forças internacionais!".
Mas parece que está tudo sob
controle. Se estrangeiros pudessem votar, o presidente americano sofreria certamente acachapante derrota. É o que revelam
pesquisas de opinião. Felizmente,
outras pesquisas mostram que os
americanos estão pouco ligando
para o que pensa o resto do mundo.
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail -
pnbjr@attglobal.net
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