São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2008

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Rejeição ao projeto de socorro mostra que disciplina partidária é coisa do passado

FLOYD NORRIS
DO "NEW YORK TIMES"

A Câmara dos Deputados votou o pacote de resgate e o rejeitou, para surpresa de todos.
Disciplina partidária é coisa do passado. O projeto de lei contava com o apoio de Barack Obama e de John McCain, os candidatos que, juntos, contam com o apoio de praticamente todos os deputados.
Mas a maioria da Câmara acompanhou Bob Barr, o político libertário que declarou que "precisamos fazer com que Wall Street pague o preço de suas decisões de investimento irresponsáveis", e Ralph Nader, o candidato independente à Presidência que descreveu o pacote como "resgate aos picaretas de Wall Street".
Eu havia presumido que a liderança da Câmara seria capaz de garantir que membros suficientes de ambos os partidos votassem pelo plano, ainda que segurando o nariz, para garantir aprovação, mesmo que por margem mínima. Mas o que temos aqui é uma rejeição ao que Nader descreveu como "os dois candidatos empresariais".
O setor bancário está em dificuldades com ou sem o pacote. Os esforços que vêm empreendendo para alterar as regras contábeis para esconder seus problemas são repugnantes. O projeto de lei derrotado teria autorizado a Securities and Exchange Commission (SEC, órgão que fiscaliza o regulamenta o mercado) a suspender a regra de contabilizar papéis por seu valor de mercado, responsável por forçar os bancos a admitir que tinham realizado apostas temerárias, e perdido. A SEC já havia cedido a pressões políticas e proibido a venda a descoberto de ações de companhias financeiras, de modo que é possível que viesse a ceder também quanto às regras contábeis. "A verdade é a primeira baixa" é o antigo chavão para descrever o jornalismo de guerra.
Também poderia se aplicar ao jornalismo financeiro na crise.
Os economistas nos dizem que mercados nos quais vendas a descoberto são proibidas provavelmente exibirão menos eficiência e maior tendência a supervalorizar preços. Ou seja, estamos oferecendo aos investidores ações de empresas cujo valor de mercado está sendo superestimado e que vêm fazendo tudo que podem para esconder o baixo valor atual de seus ativos. Por algum motivo, poucos deles desejam comprar.
Ontem, o republicano Newt Gingrich defendeu a suspensão da regra de contabilização de investimentos pelo valor de mercado, alegando que as cotações de mercado estão baixas.
Para sustentar a alegação, apontou o fato de que tanto o secretário do Tesouro como o presidente do Fed acreditam que os preços estão menores do que deveriam. Deram o argumento para justificar que o governo adquira ativos dúbios por preços acima do mercado, que poderia dar lucro no futuro.
Você imaginava que um dia ouviria um dos mais conhecidos políticos conservadores do país afirmar que funcionários do governo julgam valor melhor do que os mercados?
Na ausência do pacote de resgate, o governo enfrenta os problemas dos bancos fracos um a um, organizando tomadas de controle quando possível. Nas aquisições do Washington Mutual e do Wachovia, os depositantes se saíram bem, e os acionistas sofreram. Isso desencoraja uma corrida aos bancos pelos depositantes, o que é bom, mas encoraja o que podemos chamar de "corridas às Bolsas" pelos acionistas de qualquer banco cuja situação possa se assemelhar à daqueles.
Henry Paulson, o secretário do Tesouro, tentou estruturar o resgate como uma aquisição de ativos, de modo a impedir que bancos recipientes dos fundos saíssem maculados. Mas a decisão de forçar esses bancos a ceder ações pode ter derrubado essa idéia, e as mudanças que o pacote sofrerá talvez venham a torná-lo mais punitivo. Isso talvez seja bom pela justiça, mas não para conter a crise.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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